Clodovil e Maluf

Por Frei Betto

Espanta-me constatar o espanto – com licença da redundância – de certas pessoas frente à esmagadora vitória eleitoral de Clodovil e Maluf. Essa gente supõe que toda a nação é dotada de capacidade para decodificar a informação e reagir com senso crítico. Então os eleitores não sabem quem são eles? Sabem muito bem, recebem a mesma informação que a turma do espanto. A diferença é que o receptor – ouvinte ou telespectador, pois jornal tem pouco alcance – assimila a mensagem do emissor de acordo com o seu contexto e interesses.E isso varia de pessoa a pessoa…

Frei Betto *

 Espanta-me constatar o espanto – com licença da redundância – de certas pessoas frente à esmagadora vitória eleitoral de Clodovil e Maluf. Essa gente supõe que toda a nação é dotada de capacidade para decodificar a informação e reagir com senso crítico. Então os eleitores não sabem quem são eles? Sabem muito bem, recebem a mesma informação que a turma do espanto. A diferença é que o receptor – ouvinte ou telespectador, pois jornal tem pouco alcance – assimila a mensagem do emissor de acordo com o seu contexto e interesses. E isso varia de pessoa a pessoa.Inverta-se a situação. Admite o eleitor que votou em partidos e candidatos progressistas que, aos olhos dos eleitores de Clodovil e Maluf, ele é visto como quem não sabe votar? Como acreditar no discurso progressista após tantas maracutaias? Melhor é introduzir um ou dois coringas nesse baralho. Ao menos assim mela-se o jogo político.

Clodovil é o voto de indignação e protesto. É o suposto apoliticismo contrário à política que se nega como política (serviço a polis). Nesse sentido, ele é eminentemente político, como todos os histriônicos que ousam destoar do figurino tradicional e se postam do lado de dentro da institucionalidade política: "Meu nome é Enéas!"

Maluf também não deveria surpreender. Afinal a Justiça lhe permite viver em liberdade, em pleno gozo dos direitos políticos, assim como outros que também são suspeitos de corrupção. E isso prosseguirá enquanto não houver reformas política e do Judiciário. Ou será que a maracutaia da esquerda é mais honesta que a da direita?

A eleição de Maluf provoca o mesmo espanto que a de mensaleiros e sanguessugas. Todos foram premiados por eleitores que não acreditam nas denúncias de corrupção. Ou acreditam, mas julgam irrelevante a questão ética e admitem que na política não se põe a mão sem sujá-la.

O que me espanta no espanto alheio são meus amigos, tão ciosos de sua consciência crítica, não atinarem para o fato de que, antes de eleitos para o Congresso, Clodovil e Maluf já ocupavam lugar de destaque, com direito à ampla visibilidade, no verdadeiro Parlamento (de onde se parla, fala) brasileiro: a mídia. Quem são as figuras que aparecem quase todos os dias na mídia? São pessoas criteriosas, exemplos de ética, repletas de ideais humanitários, voltadas aos pobres? Ou são ratinhos e leões, gatas e panteras, um zoológico que dissemina a banalidade e aborda os temas mais candentes com desprezível superficialidade? Quem parla ao povo brasileiro?

Não é verdade que o povo não sabe votar. Não sabe é discernir, porque a mídia é despolitizadora, supostamente desideologizada. Em lugar de cultura, dá-nos entretenimento. Bruna Surfistinha atrai mais leitores que ensaios e romances de alta qualidade. Vendem-se mais as revistas de futilidades, espelhos virtuais ao narcisismo frustrado, que de História e Ciências. O que esperar dessa parlamentação que faz de nossas tardes de domingo o Momento Nacional de Imbecilidade Geral? Que o eleitor vote no Anônimo Crítico e Ético?

O Congresso é a cara do Brasil, país em que ainda hoje o coronelismo produz votos de cabresto e o exibicionismo anula qualquer juízo ético, como o demonstra o êxito de audiência do Big Brother. A midiocracia (a democracia da mídia) é muito mais poderosa que todas as nossas instituições políticas somadas. E nela predominam o efêmero, o vulgar, o episódico, a notícia fragmentada e descontextualizada.

Não dá para mudar de povo. Não dá para mudar de parlamentares eleitos. Mas daria para mudar de mídia, desde que famílias e escolas, e sobretudo anunciantes, soubessem sintonizar as novas gerações em outros canais, nos quais a pobreza não fosse considerada um fato inelutável, a corrupção inevitável, a democracia econômica incompatível com a política.

Nosso olhar tende a ser moldado pela mídia. E esta pela ótica lucrativa do mercado. Só um novo olhar, respaldado na ética e na visão crítica da realidade, é capaz de se confrontar com o olhar hegemônico do Grande Irmão. Enquanto não rompermos a mediocridade dos conteúdos televisivos, a espetacularização da notícia sem contextualização histórica e política, as novas gerações chegarão à idade adulta acreditando que o mercado, como deus, não admite ser contrariado; a propriedade privada é valor supremo; a partilha dos bens da vida, mera retórica anacrônica; a desigualdade social, uma fatalidade a ser minorada, jamais superada.

Assim, não me espantarei se, amanhã, Marcola for eleito deputado ou senador. Collor, expulso da política por uma nação indignada com a corrupção, voltou agora pela força das urnas. Cada governo tem o povo que merece, sobretudo quando investe em Educação menos de 4% do PIB e delega às mãos privadas bens públicos, como o rádio e a TV, sem exigir contrapartidas de interesse da nação.

* Frei dominicano. Escritor.

Retirado do site da ADITAL, www.adital.org.br , 24/10

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