No dia 25, quarta feira, aconteceu a comemoração dos vinte anos de trabalho e resistência cultural do grupo "Nós do Morro", do morro do Vidigal, Zona Sul do Rio de Janeiro. Vinte anos não é pouca coisa. Nem parece realidade. Para celebrar a data o grupo estreou a peça Os Dois Cavalheiros de Verona
Do grupo Nós do Morro
Essa resistência inacreditável não parece um projeto de vida que deu certo; tem mais semelhança com uma utopia de um monte de jovens meio visionários, na vanguarda dos movimentos e do tempo, pensando em fazer teatro na favela, em 1986. E mais, os atores eram e ainda são majoritariamente moradores da comunidade.
Os êxitos (no plural mesmo) desse grupo têm vários desdobramentos: além do mais notável e evidente que é um trabalho cultural sério sem subsídios durante os primeiros 15 anos, ensina para nós todos que a vida não se faz apenas através do possível, mas também com o apelo do impossível se existe um grupo de pessoas solidárias e unidas em torno de propósitos consensuais, sem frescura, estrelismo ou centralismo.
Um grupo assim é imprevisível. E não consegue ser mensurado por nenhum pensamento cartesiano cheio de certezas. Esse grupo pode quase tudo, até sobreviver tanto tempo e servir de exemplo. E ao ser exemplar, consegue se multiplicar através da sua pedagogia da esperança e desatino. Esse saber agora é visível. Não pode ser desperdiçado.
Lembro que vi, antes de uma reunião do F4 no "Nós do Morro", o Guti dirigindo a peça que assisti ontem. O cara é duro quando dirige os ensaios, rapaz!!! Não tem colher. Deu bronca no ator principal porque ele saiu de sua posição antes do tempo. E isso me traz outra lição: nada de achar que vai ser fácil! Não pensar que vamos sorrir e brincar o tempo todo. Como é mesmo que "aquele cara" disse ? "Hay que endurecer pero sin perder la ternura, jamais".
Ao final da peça, o Guti falou que quando eles começaram todos tinham cabelos: quer saber, achei bonito! Parabéns Fred, Zezé, Guti, Fernando, Luís Paulo, José Gonzaga.
Da peça
O grupo de teatro Nós do Morro participou agora em agosto do The Complete Works Festival maior festival da história da Royal Shakespeare Company (RSC) em Stratford-upon-Avon, Inglaterra. Lá apresentaram a peça Os Dois Cavalheiros de Verona com o apoio do British Council e do Visit Arts Britain.
Essa peça foi apresentada junto com companhias de teatro britânicas e de outros países para apresentar as peças, sonetos e poemas de Shakespeare em um festival que é uma mostra completa de seu trabalho. Nós do Morro é a única companhia brasileira formada por artistas amadores convidada a participar do festival, ao lado de companhias representando a África, Índia, Oriente Médio, América do Norte e do Sul, Japão, China e Rússia. Esse festival será apresentada de abril 2006 a abril 2007.
Os Dois Cavalheiros de Verona foi encenado no The Courtyard Theatre, em Stratford-upon-Avon, em 27 de agosto de 2006. O que mais chama a atenção na peça é a interpretação carioca e popular de Shakespeare. Sem tentar uma encenação clássica e britânica da peça, mas também sem perder a universalidade e a atualidade dos temas procura articular o tradicional ao contemporâneo, as dúvidas, as súbitas mudanças no destino, contradições e problemas do homem de ontem que permanecem nas mentalidades e subjetividades de hoje. Por isso a peça, o texto, a atuação atrai e prende nas suas quase duas horas de duração.
O texto escrito há mais de 500 anos foi traduzido por Paulo Mendes Campos mas a linguagem é nossa, dos jovens, das ruas da nossa cidade. As músicas como o xote e o funk são brasileiríssimas, e sempre acompanhadas pela percussão, pandeiro, violão e acordeão. Esta irreverência, não perturba a leitura do espetáculo, antes o anima e o realimenta com novas cores, com nossa maneira brasileira e juvenil de ler os clássicos.
Os atores estão no palco o tempo inteiro, às vezes como objetos, outras como cenário onde a história se desenvolve. O próprio vestuário se transforma o tempo todo e em momentos também é cenário.
Dudu Azevedo, Observatório de Favelas
Fotos Divuglação