Trabalho em Rede, um conceito que precisa ser aprofundado

Willian Silva Bonfim - Jornalis e membro do Talher NacionalUm conceito que volta e meia aparece nos debates e discussões da Rede de Educação Cidadã é o conceito de “rede”, empregado para definir sua forma de organização. Frente a isso, faz-se necessário aprofundarmos este conceito para a partir de sua definição olharmos para nossas práticas e ver em que medida há coerência entre a forma de organização que propomos e o que vivenciamos na prática.

Faz necessário, para efeito desta análise, compreender o conceito de “rede” aplicado às organizações sociais. Entre as diversas significações que rede vem adquirindo, apesar de não se limitar somente a elas, servem ao propósito deste artigo as seguintes: sistema de nódulos e elos; uma estrutura sem fronteiras; uma comunidade não geográfica; e um sistema de apoio ou sistema físico que se pareça com uma árvore ou uma rede. A rede social derivando deste conceito, passa a representar um conjunto de participantes autônomos, unindo idéias e recursos em torno de valores e interesses compartilhados.

Nas redes sociais há valorização dos elos informais e das relações, em detrimento das estruturas hierárquicas. As redes nas ciências sociais designam normalmente – mas não exclusivamente –, os movimentos fracamente institucionalizados, reunindo indivíduos e grupos em uma associação, cujos termos são variáveis e sujeitos a uma reinterpretação em função dos limites que pesam sobre suas ações. É composta de indivíduos, grupos ou organizações, e sua dinâmica está voltada para a perpetuação, a consolidação e o desenvolvimento das atividades de seus membros.

As redes são iniciadas a partir da tomada de consciência de interesses e/ou valores entre os participantes de um grupo, comunidade e organização. Entre as motivações mais significativas para o desenvolvimento de redes estão os assuntos que relacionam os níveis de organização social-global, nacional, regional, estadual, local, comunitário. Independente das questões que se busca resolver, muitas vezes a participação em redes sociais envolve direitos, responsabilidades e vários níveis de tomada de decisão.

De forma diferente das instituições, as redes não supõem necessariamente um centro hierárquico e uma organização vertical, sendo definidas pela multiplicidade quantitativa e qualitativa dos elos entre os seus diferentes membros, orientada por uma lógica associativa. Sua estrutura extensa e horizontal não exclui a existência de relações de poder e de dependência nas associações internas e nas relações com as unidades externas.

Em análises recentes, o enfoque das redes está sendo empregado para a leitura mais abrangente dos elementos constitutivos dos movimentos sociais, como o papel dos atores que os organizam e orientam; a coordenação social ou constituição dos movimentos e as dificuldades de organizar uma coletividade de pessoas de modo não hierárquico; e o problema da estratégica política ou orientação para a mudança. 

A inovação mais recente nos movimentos encontra-se no surgimento de práticas políticas articulatórias das ações localizadas, de redes de movimentos (network) e nas metodologias que permitam entendê-los. Trata-se também, de perceber as interconexões entre o local e o global. Tudo isso foi potencializado com o surgimento da internet, a partir do qual novas formas de associação em rede surgiram e se potencializaram, criando articulações globais, entre as quais as manifestações protagonizadas em Seatle, nos EUA, embrião de formas de articulação pela internet.

O enfoque das redes de movimentos sociais deixa transparecer a evidência de que as redes de movimentos sociais são tributárias de dinâmicas sociais híbridas. Sua existência e funcionalidade fazem transparecer uma hibridação entre o comunitário e o associativo. A dinâmica associativa está fundada no recurso da estruturação organização da ação (como nas Organizações Não-Governamentais).

O termo rede tem sido empregado, com sentidos diversos, por muitos movimentos sociais, ONGs e intelectuais que atuam junto a essas organizações. Alguns estudiosos consideram como redes de movimentos sociais um amplo conjunto de fóruns e articulações variadas que conectam organizações e entidades populares (SCHERER-WARREN, 1993).

O pesquisador Euclides André Mance (1999) adverte, contudo, que não se deve confundir as redes com os distintos tipos de mediações que as possibilitam. Isto é, as redes de organizações sociais não dependem das infovias informatizadas para existir. Por outro lado, afirma o autor, tais recursos podem potencializar essas redes. De todo o conjunto de ações solidárias destacado no capítulo anterior, o setor público não-estatal tende aos poucos a se conectar em grandes redes a partir de fóruns e de outros mecanismos para comunicação, deliberação e ação articulada. Mance define rede da seguinte maneira:

“A idéia elementar de rede é bastante simples. Trata-se de uma articulação entre diversas unidades que, através de certas ligações, trocam elementos entre si, fortalecendo-se reciprocamente, e que podem se multiplicar em novas unidades, as quais, por sua vez, fortalecem todo o conjunto na medida em que são fortalecidas por ele, permitindo-lhe expandir-se em novas unidades ou manter-se em equilíbrio sustentável. Cada nódulo da rede representa uma unidade e cada fio um canal por onde essas unidades articulam através de diversos fluxos” (MANCE, 1999, p. 24).

Um princípio básico, conforme este autor, da noção de rede é que ela funciona como um sistema aberto que se auto-reproduz. Outros dois princípios que a tornam revolucionária são os de intensividade e extensividade. Ampliar a intensividade significa que cada unidade da rede venha a atingir e envolver um número maior de pessoas no local onde aquela unidade atua. Ampliar a extensividade, por sua vez, significa expandir a rede para outros territórios. Contudo, é em razão da diversidade, integralidade e realimentação que a rede pode crescer de modo fecundo (MANCE, 1999).

Entende-se que uma rede capaz de conectar a diversidade está apta para integrar, de maneira fecunda e criativa, as ações realizadas na esfera pública não-estatal. Integralidade significa que todos os objetivos da colaboração solidária defendidos pelos diversos nódulos da rede em particular, sejam assumidos pelo conjunto de nódulos da rede. E, por fim, a idéia da realimentação significa que as ações desenvolvidas pela rede, através de seus nódulos e articulações, agenciem novas ações da própria rede.

A partir das contribuições destes autores faz-se necessário, e urgente, enfrentar o debate interno à ação que estamos envolvidos e coordenando em diferentes níveis, sobre o conceito de rede e problematizar esta questão. Sobretudo, a forma de organização que começa a emergir do 7º Encontro Nacional, com acento em equipes de representação o que denota um certo grau de hierarquização.

O que criamos, e sua forma de organização, pode ser considerado como uma Rede? Essa ação que começou a partir de uma motivação governamental, na qual há um certo grau de hierarquização, própria de sua natureza híbrida, conforme registrou a sistematização, pode ser considerada como uma Rede? Ou será necessário reconhecer que esta é uma ação desenvolvida a partir do Governo e que, portanto, há um certo grau de direcionamento político?

Conseguimos fazer a articulação entre diversas unidades que, através de certas ligações, trocam elementos entre si, fortalecendo-se reciprocamente, e que podem se multiplicar em novas unidades, as quais, por sua vez, fortalecem todo o conjunto na medida em que são fortalecidas por ele, permitindo-lhe expandir em novas unidades?

Se nos atermos apenas
no aspecto da comunicação, uma das características das organizações que se auto-conceituam como rede, não é necessário grandes análises para perceber que a troca de informações entre nós e todos os elos desta organização ainda está longe de se constituir como uma Rede capaz de, por meio da troca permanente, fortalecer seus diferentes elos.

Referências bibliográficas:
MANCE, Euclides André. A revolução das redes: a colaboração solidária como uma alternativa pós-capitalista à globalização atual. Petrópolis/RJ: Vozes, 1999.
______. Redes de colaboração solidária: aspectos econômicos-filosóficos: complexidade e libertação. Petrópolis/RJ: Vozes, 2002.

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