A sociedade brasileira ainda está chocada com o brutal assassinato do menino João Hélio e com tantos outros crimes violentos envolvendo jovens e adolescentes. Duas perguntas martelam a cabeça de todos: por que tudo isso está acontecendo e que fazer diante da violência que cresce no Brasil e no mundo?
A sociedade brasileira ainda está chocada com o brutal assassinato do menino João Hélio e com tantos outros crimes violentos envolvendo jovens e adolescentes. Duas perguntas martelam a cabeça de todos: por que tudo isso está acontecendo e que fazer diante da violência que cresce no Brasil e no mundo?
Perguntas difíceis de responder. O cineasta João Jardim, autor do filme/documentário PRO DIA NASCER FELIZ feito com entrevistas em escolas brasileiras, disse: A minha geração queria mudar o mundo. Essa geração quer se salvar, no sentido que está mais preocupada consigo mesmo que com o próximo. Mas isso também tem uma causa: eles percebem a luta dos pais pela sobrevivência, difícil quase sempre. Os meninos e meninas de hoje têm muita preocupação com o futuro. Preocupação física, inclusive. Porque têm medo da violência que poder vir até do colega de escola (Caderno B, JB, 04.02.07).
Nestas poucas frases, João Jardim conseguiu sintetizar várias verdades que nos permitem ou ajudam a tentar entender o que está acontecendo.
Primeiro: A geração anterior à atual, que também é a do autor deste artigo, sonhava em mudar o mundo. Anos setenta, anos oitenta, muitos imaginavam o dia em que subiriam as montanhas guerrilheiras, outros iam morar no meio do povo em bairros e vilas populares, tantos se engajavam na luta popular em associações de bairros, nas oposições sindicais, nos movimentos de luta pela terra, por saúde, moradia, nos partidos políticos.
Segundo: Descobrimos todos que não era tão fácil nem rápido. Já não havia mais modelos, o socialismo, a sociedade da igualdade e da justiça, perdeu-se nos meandros da história, o capitalismo neoliberal tomou conta de corações e mentes com seu consumismo individualista e seus Big Brothers do culto ao corpo e suas idéias ocas. O que colocar no lugar, onde está a saída, se o desemprego está à porta, se o futuro só aponta o vazio, a droga ou o sem sentido da vida?
Terceiro: Restou salvar-se a si mesmo, de um jeito ou de outro, do jeito possível. A preocupação é mais individual que coletiva. O mundo, os valores, a falta de perspectiva, a miséria social levam a um salve-se quem puder individualista e solitário. Ao redor, na família, na escola, na comunidade, a sobrevivência diária virou lei e necessidade. Abre-se o espaço e a oportunidade de buscar o caminho, aparentemente mais fácil, do tráfico, da droga, da criminalidade em geral, de onde se chega à violência e à brutalidade.
Quarto: Mas o futuro ainda existe. Como agarrá-lo? Quais as saídas pro dia nascer feliz?
João Jardim diz que em seu filme queria mostrar que a formação do jovem não é uma coisa objetiva. É preciso lidar com a questão de forma subjetiva. Em Cuba, na escola, os alunos falam: Ser culto é a única forma de ser livre (A Revolução está viva nas Crianças, JB, A25, 04.03.07). Evidente que ter trabalho, ter emprego, ter como sobreviver com um mínimo de dignidade é fundamental. Mas é preciso mais. Hoje 80% dos trabalhadores brasileiros ganham até dois salários mínimos, o que mal dá para comer, se vestir e morar em alguma casa simples. Não é suficiente para poder viver dignamente, ter acesso à cultura, ainda mais quando os out-doors estão em cada esquina anunciando maravilhas. Nem dá para sustentar uma família.
É preciso mais que isso. Como diz João Jardim, a educação baseada em números, em aprendizado de gramática e equações pode tirar o jovem da burrice imediata, mas não o transforma em gente, em cidadão consciente e livre. Há algo mais que se deve construir: a subjetividade, a cultura que permite a liberdade, permite a escolha, a opção, o exercício da criatividade. E isto, se é verdade que também se aprende na escola, aprende-se mais na família desde a infância, aprende-se com a convivência na comunidade e na sociedade, na medida que estas transmitem formas e práticas solidárias de ver o mundo, de se aproximar dos outros e se organizar para lutar e buscar direitos.
Há, pois, um longo caminho de construção/reconstrução pela frente, que não se faz em um dois anos, em um ou dois governos, muito menos apenas através de governos. É um caminhar junto, solidário, vivido e convivido. E que vai construir novos laços, novas teias de relações econômicas, sociais, culturais, novos valores, contrapostos aos hoje dominantes, até transformar-se em novos sonhos de mudar o mundo.
Não há como o dia nascer feliz sem pôr mãos à obra, eu, tu, você, todos nós.
Selvino Heck
Assessor Especial do Presidente