Selvino Heck
O presidente do Equador, Rafael Correa, disse no discurso de posse: A América Latina não está vivendo uma época de mudança, mas está vivendo uma mudança de época. A ser verdadeira a afirmação, de não ser apenas um jogo de palavras, um novo tempo histórico começou ou está-se instalando pelo continente latino-americano
A pergunta imediatamente se coloca, especialmente para muitos de nós que faz décadas temos sonhos revolucionários, passeamos juntos com Fidel pela Sierra Maestra cubana, depois pelas montanhas nicaragüenses, e esperávamos que o sonho de Che Guevara de uma América Latina soberana e unida se realizasse logo ali adiante. O que mais vimos e vivemos foram golpes e ditaduras militares, foi a espoliação das riquezas e do braço dos trabalhadores pelo poder central, a concentração de renda como resultado do entreguismo das elites nacionais.
Mas os anos 2000 reservaram surpresas. Há uma mudança de rumos na América do Sul. Os eleitores de vários países rejeitaram nas urnas a desgraça neoliberal, os movimentos sociais de vários países se reencontram e reorganizam, está em construção a Comunidade Sulamericana de Nações, com um Banco de Investimento e uma emissora de televisão próprios a afrontar a hegemonia do Norte.
Diz José Luís Fiori em De Volta para o Futuro (Correio Braziliense, 03.02.07): A ira e o desencanto dos liberais de direita e de esquerda têm razão de ser. De repente, tudo mudou, e o cenário ideológico latino-americano ficou diversificado e repleto de idéias e de propostas. Podem dar certo ou errado, mas não há como impugná-las, como vem acontecendo, pelo simples fato de serem projetos antigos. Todos têm raízes profundas na história latino-americana, e não se pode dizer que fracassaram porque sempre foram interrompidos pelos golpes da direita liberal.
Escreve Boaventura de Souza Santos: … a América Latina está hoje na vanguarda da reinvenção do Estado, da democracia e da esquerda. (…) As práticas de transformação social mais inovadoras estão a ocorrer no Sul global.
Respiram-se ares diferentes e possibilidades de futuro antes imprevistas. Como disse o presidente Lula para o presidente Evo Morales, da Bolívia, no final de sua visita ao Brasil: Reconheço de público a justeza de todos os pleitos bolivianos para melhorar a condição de vida do seu povo. Nem sempre poderei atender todas as demandas, mas saiba, companheiro Evo, que toda vez que me encontro contigo, eu não esqueço que somos chefes de Estado, cada um em defesa de seu país. Mas antes de ser Presidente da República, você na Bolívia e eu aqui no Brasil, nós éramos companheiros do movimento sindical e não podemos permitir que essa nossa primeira relação seja diminuída porque hoje somos presidentes, porque nós estamos presidentes. O que nós somos mesmo é trabalhadores, e quando terminar o nosso mandato poderemos nos encontrar, em qualquer parte do mundo, e dizer que governamos pensando nos mais pobres, em fazer justiça social, e podemos nos encontrar de cabeça tranqüila, muitas vezes sabendo que não fizemos tudo que queríamos fazer, mas que fizemos tudo que foi possível fazer (15.02.07).
Talvez seja cedo para falar em mudança de época. Há um processo em construção, cujo resultado permanece em aberto. A Pátria Grande, como verseja D. Pedro Casaldáliga, é um longo caminho de lutas, rupturas e transformações permanentes. Mas José Luís Fiori termina assim o artigo As Vitórias da Esquerda (Correio Braziliense, 26.12.06), que eu assino em baixo: Se for assim, se pode dizer com certeza que estão se reabrindo os caminhos da liberdade, tal como previra o presidente Salvador Allende, no seu último discurso, do dia 11 de setembro de 1973, feito no Palácio de La Moneda, já sob o bombardeio das tropas golpistas do general Pinochet: Sigan ustedes sabiendo que, mucho más temprano que tarde, de nuevo se abrirán las grandes alamedas por donde pase el hombre libre, para construir uma sociedad mejor.
Selvino Heck
Assessor Especial do Presidente da República