Experiência cearense serve como modelo

Inaugurado em janeiro de 1998, o Banco Palmas, no Conjunto Palmeira, em Fortaleza, figura hoje entre as experiências de socioeconomia solidária mais exitosas do Brasil. A entidade dispõe de R$ 300 mil para empréstimos e outros R$ 20 mil circulando no bairro .O projeto nasceu da necessidade de gerar emprego e renda para os moradores do bairro, então protagonistas de um movimento de evasão.

Banco Palmas: credibilidade na comunidade. A moeda, palma, é aceita em todos os estabelecimentos comerciais da região, de postos de combustíveis a bares

Com quase 10 anos de existência, o Banco Palmas conta com R$ 300 mil disponíveis para empréstimos

Inaugurado em janeiro de 1998, o Banco Palmas, no Conjunto Palmeira, em Fortaleza, figura hoje entre as experiências de socioeconomia solidária mais exitosas do Brasil. A entidade dispõe de R$ 300 mil para empréstimos e outros R$ 20 mil circulando no bairro em forma de palmas, sua moeda social, aceita em todos os estabelecimentos comerciais da região, de postos de combustíveis a bares.

O projeto nasceu da necessidade de gerar emprego e renda para os moradores do bairro, então protagonistas de um movimento de evasão. O coordenador do Palmas, Joaquim Melo, conta que, com o desenvolvimento do Conjunto, o custo de vida subiu e a especulação imobiliária tornou-se uma realidade. ´O Palmeira foi construído pelos próprios moradores, mas ficou difícil mantê-los no local´, diz.

O capital para dar início às atividades do Banco Palmas foi fruto de uma doação do Centro de Estudos, Articulação e Referência sobre Assentamentos Humanos (Cearah Periferia). Os primeiros R$ 2 mil concedidos, lembra Joaquim, foram distribuídos em forma de crédito produtivo e de consumo, através do PalmaCard, cartão de crédito que os moradores só podiam utilizar no comércio local. Inicialmente, era possível fazer retiradas de R$ 20,00 a R$ 100,00. O crédito era evolutivo, assim como os juros, de 2% a 4% ao mês.

Com todo o dinheiro circulando, era hora de buscar novas fontes de recursos. Joaquim afirma que, no início, a maior dificuldade foi convencer tanto a comunidade como os futuros parceiros de que a iniciativa era viável. Com o sucesso alcançado, logo surgiram outras doações, inclusive de organizações não-governamentais estrangeiras. ´Ao mesmo tempo, os empréstimos eram pagos. O dinheiro estava circulando e gerando mais riquezas´, ressalta.

Ele diz que as maiores vantagens eram os juros baixos e a facilidade, já que as únicas exigências eram ser membro da Associação dos Moradores do Conjunto Palmeira (Asmoconp) e assinar um contrato social com o banco, aceitando as regras de solidariedade local. As referências sobre o tomador dos empréstimos são dadas pela vizinhança, que também fiscaliza a assiduidade dos pagamentos – o aval ético.

Seis meses depois, o Banco Palmas já contabilizava R$ 30 mil em créditos concedidos. Hoje, as contas já apontam para 1.400 postos de trabalho formais e informais criados e mais de 200 empreendimentos beneficiados.

Os índices de inadimplência são de 1,5%, em média, no cartão de crédito, e zero, no crédito produtivo. É ele quem explica os números que fariam a alegria de qualquer grande banqueiro: ´os clientes são os donos do banco e, por isso sabem que, se não pagarem em dia, o prejuízo é da própria comunidade´.

Aos poucos, o Banco Palmas precisou expandir suas frentes de atuação para além da simples concessão de crédito. Foi com o apoio da entidade que surgiram projetos de incentivo à produção, como a PalmaFashion (confecções), PalmaLimpe (produtos de limpeza), a PalmaNatus (produtos naturais e horta comunitária) e a Central de Comercialização, que serve como ponto para venda e exposição de itens produzidos por moradores.

O mais novo filhote da franquia Palmas é a Passagem Solidária, tíquete aceito nos veículos que fazem transporte alternativo no bairro. Com ele o usuário paga R$ 1,50, se utilizar palmas. ´É uma economia boa, R$ 0,10 por passagem. O mesmo artifício é adotado pelo comércio do bairro, que oferece descontos de até 40% para quem comprar com palmas´, revela. ´Assim, o palmas circula´, diz Joaquim.
SUSTENTABILIDADE – O desafio dos bancos comunitários

A sustentabilidade é certamente um dos maiores desafios enfrentados pelos bancos comunitários. As dificuldades começam já no início, quando é preciso formar um capital para iniciar a concessão dos empréstimos.

Levando-se em conta que os bancos podem levar até cinco anos para se tornar auto-sustentáveis, os problemas financeiros persistem, portanto, para além da inauguração. Segundo Joaquim Melo, os problemas gerados pela carência de recursos nestas instituições têm suas raízes fincadas em sua própria proposta.

Joaquim explica que a natureza dos bancos comunitários não permite que tenham grandes margens de lucro, o que dificulta seu crescimento e sustentabilidade. A falta de lucro, afirma ele, ´é compreensível´.

Joaquim revela que, se por um lado os bancos comunitários são a única alternativa de acesso a serviços financeiros para milhões de pessoas, por outro, a dinâmica com que funciona pode comprometer sua existência. ´Parece contraditório, mas não é´, diz Joaquim.

Ele explica que ao mesmo tempo em que o banco oferece uma série de facilidades à comunidade, estes mesmos artifícios não oferecem condições para que a máquina continue operando. Ou seja, a reduzida carteira de clientes, os longos prazos para quitação dos empréstimos e as baixas taxas de juros não dão o retorno que o banco precisa para funcionar. Sem mencionar os riscos que envolvem as operações, voltadas para comunidades de baixa renda, como a inadimplência.

Por isso, acrescenta Joaquim, até que se tornem auto-suficientes, os bancos dependem de fontes externas de financiamento. ´Apenas o dinheiro obtido a partir das operações financeiras não é suficiente´, assegura ele.

Portanto, como forma de complementar as receitas, os bancos comunitários podem prestar consultoria a outros bancos ou recorrer a doações, que podem vir do poder público, da iniciativa privada ou até mesmo de organizações não-governamentais, nacionais ou estrangeiras.

PRODUTOS – Projetos visam geração de emprego e renda

Palma Fashion – um dos primeiros projetos desenvolvidos pelo Banco Palmas, há cerca de nove anos. Hoje, atinge a marca de 2 mil peças produzidas por mês. O trabalho é terceirizado por outras grifes da Capital, que adicionam etiquetas às roupas, tal a qualidade das confecções produzidas. No ano passado foi realizado o 1° Palmas Fashion Show, com criações próprias.
Central Palmas de Comercialização – localizado num prédio ao lado da sede do Banco Palmas, é onde a comunidade expõe e vende os itens que fabrica. São roupas, doces, peças artesanais e até cereais, produzidos ou não com o apoio da entidade. As mercadorias são colocadas à venda por consignação e a loja é gerenciada por membros da comunidade.
PalmaLimpe – a água sanitária, o detergente, o amaciante de roupas e a cera líquida produzidos pelos alunos do projeto detêm 9% do mercado no Conjunto Palmeira, segundo pesquisa realizada pelo Banco Palmas. A marca, criada há sete anos, ocupa o terceiro lugar em vendas de produtos de limpeza no bairro. O segredo: boa qualidade e preço baixo.
Estúdio – servirá para a gravação de CDs de talentos do bairro e de jingles comerciais. Os equipamentos foram doados pela ONG holandesa Strohalm. Três jovens da comunidade foram capacitados para cuidar do estúdio. ´É a oportunidade de investir numa profissão que muitos deles nunca pensaram em seguir´, ressalta o instrutor da Strohalm, Ernest Eisma, responsável pelo treinamento.
PalmaCard – foi uma das primeiras formas de concessão de crédito de
senvolvidas pelo Palmas. Com ele, é possível conseguir de R$ 20,00 a R$ 100,00, que podem ser utilizados no comércio do bairro. O prazo para pagamento é de 30 dias. Aos estabelecimentos cadastrados é cobrada uma taxa de administração em torno de 2% ao mês e o pagamento por parte dos clientes é facilitado.
PalmaNatus – projeto de produção de sabonetes artesanais, cultivo de hortas comunitárias e utilização de plantas medicinais em remédios caseiros. Parte da produção já é comercializada em feiras-livres e pequenas lojas fora do Conjunto Palmeira. As aulas são bastante concorridas. Parte dos alunos produz em casa e garante o sustento com os sabonetes que vende.
Passagem Solidária – o tíquete solidário foi criado com a finalidade de facilitar o acesso dos moradores do Conjunto Palmeira ao transporte alternativo que serve ao bairro, localizado na Zona Sul, a 20 Km do Centro de Fortaleza. Pela passagem, caso opte por utilizar a moeda social, o palma, o usuário paga o valor equivalente a R$ 1,50. A economia de R$ 0,10 tem atraído muitos usuários.
PROTAGONISTA – ´Antes do Palmas, não tinha acesso a banco´, Aurineide Cordeiro, comerciante

Dona de uma pequena confecção e um mercadinho, Aurineide Alves Cordeiro foi uma das primeiras moradoras do Conjunto Palmeira a tomar empréstimo no Banco Palmas. Foram R$ 400,00 que ela tomou na ocasião para investir na ampliação da fábrica. ´Antes do Palmas, eu não tinha acesso a banco. Não podia pegar empréstimo em canto nenhum´, lembra. ´Foi uma oprtunidade única´.

De lá para cá, Aurineide já fez diversos empréstimos, o último deles, há três meses, no valor de R$ 5 mil. Tudo aplicado na ampliação dos seus negócios. ´Se não fosse isso não teria progredido tanto e talvez tivesse até fechado as portas´, conta.

Hoje, mesmo admitindo já poder obter crédito em bancos maiores, a comerciante continua recorrendo ao Palmas. ´É muito melhor. Sou bem atendida lá, os juros são baixos e o pagamento facilitado´, resume.

FILIPE PALÁCIO e CRISTIANE BONFIM
Repórteres

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