Governo cria áreas de livre comércio para exportação

Presidente sanciona lei que cria as Zonas de Processamento de Exportação, “destinadas à instalação de empresas voltadas para a produção de bens a serem comercializados no exterior”. ZPEs não trazem vantagens para o país, dizem economistas.

No final da última semana, o presidente Lula sancionou a lei que cria as Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs), aprovando um projeto que tramitou no Congresso por mais de 11 anos. Pela nova lei, ficou autorizada a criação, a partir da solicitação de estados e municípios, de “áreas de livre comércio com o exterior, destinadas à instalação de empresas voltadas para a produção de bens a serem comercializados no exterior”.

Grosso modo, as ZPEs serão constituídas de empresas que importarão insumos e exportarão produtos, usufruindo de benefícios fiscais – suspensão do pagamento do Imposto de Importação, IPI, Cofins, Cofins importação, PIS/PASEP-Importação, Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante, Impostos sobre operação de crédito, câmbio e seguro, Imposto sobre as remessas de lucros ao exterior e sobre os pagamentos realizados, a qualquer título, a residentes no exterior, Imposto sobre a Renda (durante 10 anos) e Imposto sobre a Renda sobre os lucros auferidos (durante os 5 primeiros exercícios) – a serem regulamentados através de uma medida provisória.

Comuns em países em desenvolvimento, principalmente na Ásia e na América Latina – no México, são chamadas de maquiladoras -, as ZPEs teoricamente são constituídas para atrair investimentos externos e multinacionais a procura de mão de obra barata, e se compõem majoritariamente de empresas de montagem (que importam componentes, montam e exportam produtos prontos).

No Brasil, segundo o texto da nova lei, as ZPEs teriam a finalidade de “reduzir desequilíbrios regionais, bem como fortalecer o balanço de pagamentos e promover a difusão tecnológica e o desenvolvimento econômico e social do país”, ficando o Poder Executivo autorizado a criar ZPEs “nas regiões menos desenvolvidas”.

Atualmente, são 17 os projetos de ZPEs já aprovados pelo Congresso, a serem implantados em Araguaína (TO), Barcarena (PA), Cáceres (MT), Corumbá (MS), Ilhéus (BA), Imbituba (SC), Itaguaí(RJ), João Pessoa (PB), Macaíba (RN), Maracanaú (CE), Nossa Senhora do Socorro (SE), Paranaíba (PI), Rio Grande (RS), São Luís (MA), Suape (PE), Teófilo Otoni (MG) e Vila Velha (ES). Quatro projetos já têm sua infraestrutura concluída (Imbituba, Rio Grande, Teófilo Otoni e Araguaína) e, por lei, estão dispensados da obtenção de licença ou de autorização de órgãos federais – com exceção dos controles de ordem sanitária, de interesse da segurança nacional e de proteção do meio ambiente -, sendo vedadas quaisquer outras restrições à produção, operação, comercialização e importação de bens e serviços.

Segundo o economista Jefferson Conceição, analista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), as ZPEs são o típico tema que desperta interesses regionais, e foram historicamente defendidas por políticos como José Sarney (PMDB-AP) e Tasso Gereissati (PSDB-CE). Como aprovadas, representam uma aceitação tática da guerra fiscal, uma vez que é previsível o acirramento das disputas entre estados na atração dos investimentos externos, avalia Conceição.

“Os críticos em geral apontam para o caráter de ‘enclave’ destas zonas, que têm baixo encadeamento com a cadeia produtiva local e concentram apenas as atividades de montagem de componentes. Criam ‘irracionalidade’ na alocação dos recursos de investimentos, destróem os parques industriais já instalados no país, tendo em vista que permitem uma competição desigual entre as empresas instaladas no interior das ZPEs e as que estão fora dela, e pagam baixos salários”, diz o economista.

Ainda segundo Conceição, o argumento acerca da atração de divisas acaba sendo falacioso, uma vez que nas últimas duas décadas a balança comercial brasileira tem sido superavitária. “No presente momento, um dos grandes problemas da economia brasileira é justamente o ‘excesso’ de entrada de divisas, em virtude dos elevados superávits na balança comercial e dos investimentos realizados pelo capital produtivo e financeiro no país. Portanto, neste contexto, as divisas geradas pelas ZPEs irão apenas agravar o problema”, explica, no sentido de forçar ainda mais a baixa do dólar, o que prejudicará os demais setores produtivos.

Por outro lado, o risco de que as ZPEs sejam deficitárias em sua balança comercial também existe, avalia Conceição. “A experiência da Zona Franca de Manaus, neste ponto, deve ser bem estudada: a Zona Franca foi criada com o objetivo, entre outros, de gerar superávits na balança comercial. Contudo, nos últimos anos, ela tem apresentado déficits comerciais – US$ 1,6 bilhões de déficit nos sete primeiros meses de 2004”.

Mercado interno
Um dos itens do projeto de lei aprovado pelo Congresso que mais preocupou analistas críticos ao projeto era a possibilidade de que as ZPEs comercializassem internamente 20% de sua produção. O temor inicial era que, desta forma, fosse criada uma relação extremamente desigual de competitividade entre empresas de ZPEs e as demais.

Segundo o texto sancionado pelo presidente Lula, ficou estipulado que “a mercadoria produzida em ZPE poderá ser introduzida para consumo, no mercado interno, desde que o valor anual da internação não seja superior a 20%”. A venda de mercadoria para o mercado interno estará sujeita ao mesmo tratamento administrativo e cambial das importações, observada a legislação específica quando a internação for realizada em zona franca ou área de livre comércio. Por outro lado, diz a lei, “a mercadoria produzida em ZPE e introduzida para consumo no mercado interno ficará sujeita ao pagamento de tributos e encargos”.

De acordo com o analista do Dieese, a venda de até 20% da produção da ZPE no mercado interno não faz qualquer sentido do ponto de vista da lógica econômica. Para Jefferson Conceição, mesmo com a cobrança dos impostos, isto por si só não eliminará a desigualdade em relação aos produtos das empresas instaladas fora das ZPEs. “Quem estiver fora terá escalas de produção potencialmente inferiores aos das ZPES e, portanto, maiores custos médios. Além disso, e talvez mais importante, é o fato de que será muito difícil controlar a margem de 20% que poderá ser internalizada no país”, afirma.

Para o economista da Unicamp, Ricardo Carneiro, para quem a aprovação das ZPEs foi um erro tático do governo, a internalização de parte da produção das ZPEs não apenas é contraproducente no tocante à geração de empregos no país, mas também está na contracorrente do desenvolvimento industrial interno. “Nosso desafio é completar a cadeia de produção, não investir em linhas de montagem. Não sei porque o presidente Lula aprovou esta lei”, afirma Carneiro, para quem, de todo o processo, o país se beneficia apenas com a criação dos eventuais postos de trabalho e o salário recebido pelos trabalhadores.

Verena Glass – Carta Maior

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