Programas de transferência de renda reduziram em 21% a desigualdade no Brasil

Pesquisa divulgada esta semana pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revela que os programas de transferência de renda com condicionalidades (PTRC), como o Bolsa Família, contribuíram para a queda da desigualdade no Brasil na última década.

De acordo com o estudo, ações como estas geraram uma redução de 21% no coeficiente de Gini brasileiro, índice que mede a desigualdade de distribuição de renda em uma sociedade.

O estudo, que foi realizado por cinco pesquisadores do Ipea, levou em consideração o período que vai de meados da década de 90 até os últimos anos deste século. Além do Bolsa Família, os estudiosos também analisaram programas semelhantes em dois países vizinhos: o "Chile Solidário" e o "Oportunidades" desenvolvido no México. Enquanto que no México as ações de transferência de renda apresentaram impacto bem semelhante ao do Brasil, no Chile, a iniciativa gerou uma queda menos expressiva, de 15% na desigualdade de renda da população.

Apesar do impacto significativo, os programas de transferência são responsáveis por menos de 1% da renda total dos três países analisados. Mesmo  com os inúmeros problemas relacionados às altas taxa de desemprego, o trabalho é a principal fonte de renda em todos os três países do estudo, sendo que, no Brasil, responde por 72,6% dos rendimentos da população. As transferências diretas governamentais, por meio dos PTRCs e da seguridade social, são a segunda maior fonte de renda das pessoas, e seus pesos vêm aumentando nos três países. Só a seguridade social é responsável por cerca de quase um quarto da renda dos brasileiros e, segundo o estudo, é um dos fatores que, na contra-mão, vem contribuindo para o aumento da desigualdade de rendimentos entre as camadas sociais.

Os Programas de Transferência Condicionada de Renda (PTCRs) têm ganhado popularidade nos países em desenvolvimento, graças, sobretudo, ao caráter populista que agrega, favorável à popularidade dos governos. Esses programas consistem essencialmente na transferência de quantias em dinheiro para famílias pobres, por meio de contrapartidas dos beneficiados. No Brasil, o governo destina anualmente cerca de R$ 9 bilhões para tais programas. Só este ano o Bolsa Família já destinou R$ 5 bilhões à famílias carentes, com renda inferior a R$ 120,00.

De acordo com o estudo, o impacto favorável desse tipo de ação na redução da desigualdade tanto do Brasil quanto do México se deve ao fato de eles serem bem focalizados, e claro, de caráter massivo. Via de regra, nos programas de transferência de renda 60% dos recursos se destinam aos 20% mais pobres. “Nesse sentido o Bolsa Família parece ter a melhor focalização em termos de um menor ‘vazamento’ das transferências, já que os 40% mais pobres recebem 80% dos benefícios do programa”, argumentam os estudiosos. Entre os aptos a receber o auxílio, o programa possui uma incidência menor nas camadas com maior renda.

Apesar disso, os pesquisadores alertam que os programas de transferência de renda não podem ser vistos como uma “panacéia” e devem vir acompanhados de políticas estruturais mais amplas, que visam garantir o sustento da população por meio do trabalho. “A sua expansão certamente encontrará limites administrativos e, principalmente, fiscais. Além do mais, dado o peso que as rendas do trabalho e da seguridade têm na distribuição da renda total, reduções sustentáveis da desigualdade dificilmente serão atingidas sem políticas para o mercado de trabalho, bem como de correção do viés regressivo das pensões e das aposentadorias”, destaca o estudo.

Veja a pesquisa na íntegra.

Entenda a evolução dos PTRCs no Brasil

Até outubro de 2003, o Brasil tinha quatro Programas de Transferência de Renda com Condicionalidades no âmbito federais. O primeiro a ser criado, em 1996, foi o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), voltado para crianças de 7 a 15 anos obrigadas a trabalhar ou submetidas a atividades perigosas, insalubres e degradantes.

O Peti é composto por uma bolsa de R$ 25,00 para crianças de áreas rurais, e R$ 40,00 de áreas urbanas, além de um orçamento suplementar para os municípios, com o objetivo de criar uma jornada escolar ampliada, de tal forma que as crianças não tenham tempo para trabalhar. Como contrapartida, os beneficiados menores de 16 anos não podem trabalhar e devem ter uma frequência escolar de 75% no ano. O programa, no entanto, acabou sendo parcialmente incorporado ao Bolsa Família a partir do ano passado.

O segundo PTCR federal no Brasil foi o Bolsa Escola, criado em 2001. A contrapartida para participar do programa era a freqüência escolar mínima de 85% no ano para as crianças de 6 a 15 anos. O benefício era concedido a famílias cuja renda per capita se situava abaixo de R$ 90,00. O valor da bolsa era de R$ 15,00 por criança, com um teto de R$ 45,00 por família.

Um pouco depois do Bolsa Escola foi criado o Bolsa Alimentação, um PTCR da saúde, cujas contrapartidas eram: aleitamento materno; exames pré-natais para gestantes; e vacinação das crianças. O valor da bolsa era de R$ 15,00 por criança entre 0 e 6 anos, com teto de R$ 45,00 por família. O programa estava a cargo do Ministério da Saúde. Em 2003 foi criado um quarto programa, o Cartão Alimentação, uma transferência de R$ 50,00 para famílias cuja renda per capita não alcançava meio salário mínimo. Seu uso estava limitado, exclusivamente, à compra de alimentos.

Cada programa tinha sua agência executora e a coordenação entre elas era mínima. Com a falta de comunicação, muitas famílias que se encontravam na mesma condição, acabavam recebendo quantias diferentes de benefício. Na tentativa de solucionar o problema, em outubro de 2003, o governo federal criou o programa Bolsa Família, com o objetivo de unificar todos os programas de transferência de renda, a partir de um Cadastro Único, facilitando assim a gestão e distribuição dos recursos. O Bolsa Família também incorporou o Vale-Gás, uma transferência sem contrapartida.

Para o Bolsa Família, as famílias pobres foram divididas em dois grupos: as extremamente pobres, com renda familiar per capita mensal de até R$ 60,00; e as pobres, com renda familiar per capita mensal de R$ 60,00 a R$ 120,00. As famílias extremamente pobres participantes recebem um benefício fixo de R$ 50,00 independentemente da composição familiar. Além disso, o programa tem um benefício de R$ 15,00, recebido para cada criança de até 15 anos, ou cada gestante. As contrapartidas exigidas pelas antigas ações também foram herdadas pelo programa unificado.

Mariana Braga
Do Contas Abertas

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