Festa do livro e das idéias


Participei, semana passada, da principal feira do livro da Itália, a de Mântua (em italiano, Mantova), cidade lombarda de 4.000 anos e 50 mil habitantes, terra de Virgílio (70-19 a.C.), autor de "Eneida".

Participei, semana passada, da principal feira do livro da Itália, a de Mântua (em italiano, Mantova), cidade lombarda de 4.000 anos e 50 mil habitantes, terra de Virgílio (70-19 a.C.), autor de "Eneida".

Em sua 12ª edição, a feira reuniu 213 autores de todo o mundo. Da América Latina, presentes também a brasileira Márcia Teófilo, o uruguaio Eduardo Galeano, o mexicano Carlos Fuentes, o chileno Pedro Lemebel, o argentino Alberto Manguel e o cubano Leonardo Pádua Fuentes.

O que menos importa na feira é o comércio de livros. O objetivo principal é favorecer o contato dos autores entre si e com o público. Durante cinco dias, toda a cidade, cercada por três lagos e marcada pela arquitetura medieval, se mobiliza em função do evento.

Patrocinado pela prefeitura, seu êxito é assegurado por 600 moradores que trabalham como voluntários, como os motoristas que me buscaram e levaram ao aeroporto.

Para um público de cerca de 700 pessoas, sob um toldo armado num jardim, no domingo pela manhã troquei idéias com o sociólogo italiano Domenico de Masi, mais conhecido no Brasil pelo êxito de seu livro "O ócio criativo" (Sextante). Pela mesma editora temos um livro a quatro mãos, "Diálogos criativos", cujo título da edição italiana, "Desenvolvimento e felicidade", motivou o nosso diálogo.

Além da amizade que nos une, De Masi e eu temos em comum o amor pelo Brasil, que ele já visitou dezenas de vezes. No fim do mês, estará em Belo Horizonte, a convite da Fundação Dom Cabral. Oscar Niemeyer fez o projeto do centro cultural que ele mantém em Ravello e cuja nova construção será inaugurada em junho de 2009.

Nós dois coincidimos quanto à desumanidade da filosofia do trabalho baseada na competitividade e na excessiva produção de mercadorias supérfluas. A vida existe para que saibamos desfrutá-la, cultivando amizades, o gosto pela arte, a comunhão com a natureza, o aprimoramento de nossos talentos e o aprofundamento de valores subjetivos.

De Masi acredita que os dois países do futuro são o Brasil, pela alegria de viver de nosso povo e a pujança da natureza, e a China, pela criatividade e autodeterminação. Frisei que o maior bem que todos procuramos, sem exceção – a felicidade -, a lógica do mercado felizmente não consegue transformar em objeto de consumo.

Frente à impossibilidade, tenta nos convencer de que a felicidade resulta da soma de prazeres… consumistas! Assim, desloca-se a felicidade da fruição espiritual, como o amor, a mística, os valores éticos, para reduzi-la à posse de produtos que, revestidos de fetiche, passam a imprimir valor a quem os possui, numa inversão escabrosa que torna o objeto sujeito e o sujeito objeto.

Para De Masi, não há felicidade sem apreensão do sentido, do significado, da existência e das coisas. No entanto, a pós-modernidade neoliberal procura nos destituir de filosofia, horizonte histórico, visões do mundo, para nos encerrar miseravelmente no jogo mesquinho de nossas tendências egoístas (tudo para mim, danem-se os outros, como se observa nas reações espontâneas no trânsito); egocêntricas (devo ter poder, fama e beleza para me tornar o centro das atenções); e egolátricas (devo ser venerado pelo olhar alheio, jamais criticado).

A feira do livro de Mântua não concede prêmios e não cobra entrada em conferências, debates e exposições. Ali importam a cultura, a estética, as idéias, a diversidade literária que reúne escritores da nova geografia da Europa Central e do mundo árabe, da China e da África, todos dispostos a socializar seus métodos de criação e suas idéias.

Para o catálogo oficial do evento, uma única pergunta foi feita a mim e a cada um dos convidados: "Em que condições você escreve?" "Isolado", respondi, "distante de todo acesso e mergulhado em meu ofício. Levanto cedo e, com intervalo para almoço, escrevo até o sol se pôr. À noite, descanso a mente com leitura ou filme. E cultivo uma superstição: jamais falo da obra que preparo, exceto quando a termino".

[Autor de "Cartas da Prisão" (Agir), entre outros livros].

* Frei dominicano. Escritor

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