NA REDE COM O POETA

O balanço é bom, o vento é agradável, as companhias são aconchegantes e o tema é atual. Planejamento Participativo e Pesquisa Participante. Estou no Piauí, na casa de encontros da Obra Kolping.

O balanço é bom, o vento é agradável, as companhias são aconchegantes e o tema é atual. Planejamento Participativo e Pesquisa Participante. Estou no Piauí, na casa de encontros da Obra Kolping. Depois de um dia inteiro de reunião, primeiro, com coordenação estadual e depois, à tarde, com esta e os educadores contratados da RECID- PI, que, juntos, formam o que chamamos de coletivo estadual, descanso? Que nada! Teresina, surpreendentemente, com uma temperatura amena, de trinta e poucos graus. Um ventinho tão gostoso que convida a sentar no chão e namorar a lua, que esbanja beleza e encanto. Tudo isso deixa as dependências da Obra Kolping, ainda mais aconchegante. Convidativo para um bom bate papo.

Após as 18h00, em Teresina, porque, em Brasília, já passam das 19h00, devido ao horário de verão, encerramos as atividades e fomos jantar. De repente, para minha alegria e surpresa, vejo Audeli, amiga e educadora da primeira fase do Talher no Piauí. Ela é coordenadora estadual dos comunicadores da Pastoral da Criança e partilham conosco a mesma casa de encontro. Têm uma parceria com a coordenadoria estadual dos direitos humanos do governo do Estado. Demonstrou gentilmente alegria em me encontrar, perguntou por Selvino Heck, conversamos e me convidou para assistir à abertura do encontro. Agradeci e aceitei. O tema gerador da Pastoral da Criança, no período de 2008 a 2010, é o Registro Civil. O Piauí com nome e sobrenome.

A comunicadora da Pastoral da Criança e Educadora da coordenadoria estadual dos Direitos Humanos, Nara, faz uma bela apresentação em POWER POINT, trazendo uma relação de dados, a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1946. Faz uma reflexão com avanços e limites, conquistas e desafios. Fiquei impressionado e, por um momento, pensei: há 62 (sessenta e dois) anos a Declaração Universal dos Direitos Humanos significa um marco nas relações entre os povos e paises. Uma grande conquista dos homens e mulheres de boa vontade. Estamos 40 (quarenta) anos após 1968, o ano que não terminou, quantas coisas mudaram no Brasil de lá para cá! Graças às lutas do povo e ao preço da vida de muitos. Há quarenta anos atrás também Paulo Freire nos brindava com a Pedagogia do Oprimido que, a partir do VI congresso internacional Paulo Freire, pelo instituto que leva o seu nome, tantas outras comemorações, seminários, congressos, para comemorar esta importante data. No mundo todo. Também há 43 (quarenta e três) anos a igreja celebrava o Concilio Vaticano II. Bom, esse pelo jeito, a igreja prefere esquecer. Mas aconteceu e está vivo nos 16 documentos que produziu.

Já ia tomar banho para, finalmente, descansar, quando, não por acaso, me veio uma lembrança que me vem com freqüência este ano de 2008. Há 30 anos, no dia 02 de Novembro de 1978, aos 17 anos, saía lá do Cariri, um menino magricelo e tímido, em busca de oportunidade, em São Paulo. Era eu, deixando para trás, mais que rastros. Deixava meu mundo. Meu pai, minha mãe, meus irmãos, amigos de infância, minha terra. Depois da primeira curva do expresso, tudo seria novidade para mim. Lembro de có cada palavra de minha mãe. Recomendando-me a Deus e pedindo que nunca fosse um homem ruim. Que respeitasse e obedecesse ao meu irmão, trabalhasse, estudasse e nunca deixasse mandar notícias.

Mas depois de lembrar essas datas, de reviver a mesma emoção, agora de forma diferente, voltemos ao Piauí. Assistindo à apresentação da Pastoral da Criança, descobri em pouco mais de uma hora que, segundo pesquisa do IBGE , de 2006, a cada 3 (três) crianças que nascem no Brasil, 1 (uma) completa o primeiro ano de vida sem ser registrada. Sem ter o Registro Civil. Não estão nas estatísticas. Não existem, na verdade. Que dos 224 (duzentos e vinte e quatro) municípios do Piauí, mais de cem não têm cartório. Que a principal causa da negação deste direito, é o desconhecimento da gratuidade do registro. Que dos cem municípios brasileiros com os índices sociais mais baixos, 75 (setenta e cinco) estão no Nordeste e 11 estão no Piauí. Que os três Estados brasileiros com os piores índices de sub-registro são: Roraima, 42%; Piauí, com 33,7% e Alagoas, com 31,6%. Falei brevemente do nosso trabalho, da afinidade de nossas ações e perguntei: nós não deveríamos está mais juntos? Unir nossas forças? Todas concordaram, demonstraram interesse. Por que a gente não faz amanhã um momento de integração dos grupos? Perguntou uma das líderes. Vocês topam? Perguntei. Claro! Respondeu um coro.

A meta dos (as) comunicadores (as) da Pastoral da Criança e da Coordenadoria Estadual dos Direitos Humanos é reduzir estes índices para 5% até 2010. Não me contive e partilhei com o grupo da RECID-PI o que tinha visto e ouvido e perguntei: o que isso tudo tem a ver conosco? Foram muitas considerações e reflexões e em seguida perguntei: por que nós não estamos juntos? Não deveríamos promover uma integração dos grupos? Trocar contatos e marcar um encontro lá nos núcleos? De cada microrregião em que estamos com ações da RECID-PI tem agente da Pastoral da Criança. Todos (as) acharam que sim e ainda no mesmo dia, à tarde, os grupos se apresentaram e partilharam suas listas de presença com os contatos. Quanto mais unidos estivermos, mais fortes seremos.

Nestes quarenta anos, durante os quais aconteceram os principais fatos que foram lembrados acima, ao mesmo tempo, preparávamos um novo tempo. Este tempo é marcado e materializado pela eleição do presidente Lula. E é consolidado com o seu governo democrático e popular. O povo que fez valer no Brasil os Direitos Humanos, que entendeu o porquê da Pedagogia do Oprimido, que sobreviveu a 1968, que sonhou e viveu o Concilio Vaticano II, que foi migrante e soube resistir e acreditar na vida, está mudando o Brasil. Nossa democracia ainda é socialmente injusta, mas é suficientemente consistente para nos confirmar que ela é o melhor caminho. Façamos poesia, sejamos militantes. Viva a democracia! Viva a luta, a liberdade e soberania dos povos e das nações! Viva a América Latina!

Teresina, 08 de Novembro de 2008.

João Santiago – Poeta e Militante. É Teólogo e autor do livro: “Militância e Poesia”, entre outros.

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