Quais são as conseqüências dessa crise para o mundo do trabalho?

Qual o significado da crise para os bancos, para as empresas, para a retomada das margens de lucro, para a recuperação do admirável “mundo globalizado” etc? Nossa indagação, entretanto, repõe uma outra questão que nos parece vital: quais são as conseqüências dessa crise para o mundo do trabalho? A indagação é do sociólogo Ricardo Antunes em artigo no jornal da Unicamp, 30 de março a 5 de abril de 2009.

A fenomenologia da crise tem sido prolixa. Crise dos subprime, crise especulativa, crise bancária, crise financeira, crise global, réplica da crise de 1929 etc. The Economist escreveu que o problema era fundamentalmente “crise de confiança”! Mas as origens dessa a crise datam de meados dos anos 1970, com o destroçamento social de vários países da América Latina, como Brasil, Argentina, México, Colômbia. Pouco a pouco, foram mergulhados no estancamento e na recessão por décadas.

Posteriormente, foi a vez de levar à bancarrota o chamado “socialismo real” vigente na URSS e no restante do Leste europeu, no início da década de 1990. Menos do que expressão da “crise do socialismo”, entretanto, a crise parecia antecipar uma nova etapa da própria crise do sistema do capital, crise que não poupou os chamados “tigres asiáticos”.

 Depois do seu epicentro ter freqüentado várias partes do mundo, ele chegou ao coração do sistema: os EUA e a Europa agora estão também no olho do furacão.  E o Japão há mais de uma década se atolou na trilha da crise.

Vale aqui recordar alguns dos melhores críticos, para os quais a “crítica” dominante se mostrou cega: Robert Kurz vem alertando, desde seu Colapso da Modernização, no início dos anos 1990, que a crise que levou à bancarrota os países do chamado “socialismo real” (com a URSS à frente), não sem antes ter atingido duramente o “Terceiro Mundo”, era expressão de uma crise do modo de produção de mercadorias que tenderia a migrar em direção ao coração do sistema capitalista.  

François Chesnais, desde seu livro A Mundialização do Capital, tem sido responsável pela mais qualificada análise crítica que apresenta as complexas conexões existentes entre produção e a financeirização do capital – “a forma mais fetichizada da acumulação” – mostrando que a esfera financeira nutre-se da riqueza gerada pelo investimento e da exploração da força de trabalho dotada de múltiplas qualificações e amplitude global.     

E István Mészáros, há muito mais tempo ainda, vem sistematicamente indicando que o sistema de metabolismo social do capital, depois de vivenciar a era dos ciclos, adentrou em uma nova fase, inédita, de crise estrutural, marcada por um continuum depressivo que fará a teoria dos ciclos ser mais parte do passado do que do presente.

E demonstrava em suas análises – veja-se, dentre outros,  o seu Para Além do Capital – a falência tanto da intervenção estatal keynesiana, que vigorou especialmente nas sociedades marcadas pelo welfare state, quanto  de “tipo soviética”, resultado de uma revolução social que procurou destruir o capital e acabou sendo por ele fagocitado. O ente regulador acabava, no limite, sendo desregulado pelo capital. A China, cujo processo está em curso, torna-se um laboratório excepcional para a confirmação ou não destas teses.  

As conseqüências desse quadro de crise para o mundo do trabalho são também, devastadoras. Segundo dados moderados, a OIT adverte que para 1,5 bilhão de trabalhadores, o cenário será marcado pela erosão salarial e aumento do desemprego. (Relatório mundial sobre salários 2008/2009).

Na China, com quase um bilhão que compreende sua população economicamente ativa, cada ponto percentual a menos em seu PIB corresponde a uma hecatombe social, sendo que os operários deserdados das cidades não têm mais o campo como refúgio. Recentemente, 26 milhões de ex-trabalhadores rurais que trabalhavam nas indústrias das cidades, perderam emprego. O PC chinês já vivencia uma nova onda de revoltas, ampliando o cenário da tragédia atual. E os imigrantes, em busca dos restos do trabalho do mundo global, agora são expulsos em massa do “trabalho sujo”, uma vez que ele também passa a ser cobiçado pelos trabalhadores nativos, inflados pela xenofobia e pressionados pela anorexia social.

Na América Latina o panorama também é caustico: em seu recente Panorama Laboral para América Latina e Caribe (2008), a OIT afirmou que, se o desemprego diminuiu nos últimos cinco anos, o quadro já se alterou, uma  vez que “devido à crise até 2,4 milhões de pessoas poderão entrar nas filas do desemprego regional em 2009”, somando-se aos quase 16 milhões hoje desempregados. E acrescenta: na maioria dos países houve retração salarial; as mulheres trabalhadoras têm sido mais afetadas com taxa de desemprego 1,6 vezes maior que os homens e o desemprego juvenil em 2008, em nove países latino-americanos, foi 2,2 vezes maior do que a taxa de desemprego total. A informalidade, que era exceção no passado, parece tornar-se regra.   

No Brasil, tanto na indústria, como os serviços e a agroindústria, as conseqüências estão se acentuando desde o último trimestre de 2008. O país que o governo Lula afirmou ter uma economia estável, sólida e refratária à crise, está vendo a cada dia a corrosão dos níveis de emprego.

Se não há espaço aqui para avançar no balanço crítico, vale adicionar mais uma contradição vital que o mundo mergulhou e cujas respostas encontram-se em outro patamar, que obrigatoriamente tem que ser reposto neste início de século: se as taxas de emprego se reduzem ainda mais, aumentam os níveis de degradação e barbárie em amplitude global. Se, ao contrário, o mundo produtivo retomar os níveis de crescimento anteriores, aumentando a produção e seu modo de vida fundado na superfluidade e no desperdício, aumentaremos ainda mais a lógica destrutiva hoje dominante. O que nos obriga a confrontá-la. 

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