200 mil problemas e muita luta

Texto de Selvino Heck sobre o IV Encontro macro-regional Sudeste, acontecido no final de agosto de 2010. O Encontro teve como tema “Grandes Projetos e poder popular: a RECID pensa o futuro com os pés no chão.”

A caravana da Rede TALHER de Educação Cidadã (RECID) sai do centro de São Mateus, ES, onde foi conhecer a história da cidade de séculos atrás, resistências e lutas indígenas como o massacre dos índios Aimorés na Batalha do Cricaré, o porto de São Mateus que foi uma das portas de entrada de negros escravos no Brasil. História que vem do século XVI ou antes e que atravessa toda história do Brasil, com muita dor, sangue e sofrimento. E chega no Acampamento Carlos Marighella do MST, às margens da BR-101.

Pergunto para dona Lúcia, uma senhora dos seus 70 anos, há quanto tempo ela está acampada. Responde que há nove meses. Roberto, em nome de todos os acampados, explica a todos que o Acampamento existe há mais de cinco anos, que houve uma primeira leva de acampados que foram assentados, há menos tempo uma segunda leva e agora, das mais de 100 famílias, uma boa parte será assentada em breve em duas áreas já destinadas pelo governo federal.

Os mais de 50 educadores populares, que participam do IV Encontro Macro Sudeste da RECID no Centro de Formação Maria Olinda (CEFORMA) do Assentamento Juerama, aprendem como se organiza um acampamento, com suas equipes de formação, saúde, disciplina, de jovens, como vivem e sobrevivem enquanto estão à beira da estrada, etc. Ao final, os jovens do Acampamento são convidados para uma oficina de hip-hop a realizar-se no dia seguinte.

O IV Encontro macro-regional Sudeste, acontecido no final de agosto, tem como tema “Grandes Projetos e poder popular: a RECID pensa o futuro com os pés no chão.” A pergunta é: “No contexto dos grandes projetos e na relação Estado x Sociedade Civil, como nos organizamos em rede para continuar o trabalho da educação popular na construção do poder popular? E como buscamos sustentabilidade para isso?”

Os problemas não são poucos, assim como as lutas e a resistência em todos os lugares. Felizmente a tranqüilidade do CEFORMA, o silêncio, o campo de futebol onde os participantes jogam às seis da manhã, as árvores que cercam o alojamento permitem um tempo de reflexão com cuidado e sem pressa.

No carrossel inicial, Estado a Estado, para conhecimento da realidade local, o Rio de Janeiro apresenta o problema da violência e os processos de expulsão de populações do espaço urbano, com a desocupação forçada da zona portuário, a siderúrgica que está sendo construída na Bahia Sepetiba, Zona Oeste, trazendo poluição, expulsando pescadores. A preocupação estende-se à Copa de 2014 e às Olimpíadas de 2016, onde muitas vezes prometem-se mundos e fundos, mas os pobres, se não estiverem organizados e não resistirem, acabam retirados de seus lugares de moradia e o turismo se torna mais importante no projeto de desenvolvimento. Há resistência de pescadores, que se organizam, há resistência das populações que se vêem afetadas em seus direitos.

Espírito Santo, Estado com histórica e forte presença da pequena agricultura, vê acelerar nas últimas décadas a industrialização e suas conseqüências, vê crescer as monoculturas da cana, do eucalipto/celulose, que trazem a ameaça do deserto verde. A violência cresce e se faz presente na Grande Vitória e nas prisões superlotadas. Mas sem-terras, quilombolas, pequenos agricultores resistem e discutem um outro projeto de desenvolvimento.

Em Minas Gerais, há o controle político e midiático que não permite que os reais problemas do Estado aflorem. Também se fazem presentes os grandes projetos ligados aos agro-combustíveis ou a monoculturas – a cana o eucalipto, a pecuária, a soja, mais a mineração. Mas no campo e na cidade, quilombolas – há 374 comunidades em processo de reconhecimento -, assentados e pequenos agricultores buscam outros caminhos, assim como catadores e recicladores se organizam para mostrar um outro tipo de desenvolvimento.

São Paulo é a grande metrópole. O Estado está privatizado no transporte, na educação, na saúde, nas estradas e seus pedágios, até na Copa do Mundo. A vida do paulistano é muitas vezes dentro do ônibus. A especulação imobiliária é uma realidade cruel. Mas a Economia Solidária, a juventude através do hip-hop buscam enfrentar a marginalização, a violência, a despolitização.

Não há um único caminho, nem o caminho é fácil. A Rede de Educação Cidadã, com seus educadores, centenas deles espalhados pelos 4 Estados, busca a clareza do debate junto com os movimentos sociais , faz parcerias com ONGs e outras instituições apoiadoras da educação popular. A Região Sudeste talvez seja a de mais problemas e contradições e mais complexa hoje no Brasil.

Dona Lúcia, do Acampamento Carlos Marighella, faz uma fala emocionada ao final da visita: “Estamos aqui na luta, e nós vamos vencer, nós vamos ganhar a terra, nós vamos plantar no que é nosso. É sofrido agora, mas juntos nós vamos ter nosso direito.”

Os jovens e adolescentes do Acampamento vão para a oficina de hip-hop, onde o Gas.pa, do Luta Harmada do Rio, explica a origem e o contexto do surgimento do hip-hop no Brasil e no mundo. E o paulista Alan dá uma aula prática de como compor uma letra e um música de hip-hop. Em torno do quadro negro, pede que digam as palavras-chave e, coletivamente, compõem um pedaço de uma letra que, após 45 minutos de interação, sai assim: MST é luta, é resistência, conquista e liberdade;/ MST é ocupação, é reforma agrária e educação;/ MST contra o latifúndio e a desigualdade;/ MST organização, fazendo ocupação.”

Todos cantamos o que é criação coletiva. Assim como devem ser o Brasil e o mundo. Assim como são o sonho e a utopia que nunca deixam de estar presentes ou de renascer.

Selvino Heck
Assessor Especial do Gabinete do Presidente da República
Em dezesseis de setembro de dois mil e dez

 

A caravana da Rede TALHER de Educação Cidadã (RECID) sai do centro de
São Mateus, ES, onde foi conhecer a história da cidade de séculos atrás, resistências e
lutas indígenas como o massacre dos índios Aimorés na Batalha do Cricaré, o porto de
São Mateus que foi uma das portas de entrada de negros escravos no Brasil. História que
vem do século XVI ou antes e que atravessa toda história do Brasil, com muita dor,
sangue e sofrimento. E chega no Acampamento Carlos Marighella do MST, às margens
da BR-101.

Pergunto para dona Lúcia, uma senhora dos seus 70 anos, há quanto tempo ela
está acampada. Responde que há nove meses. Roberto, em nome de todos os
acampados, explica a todos que o Acampamento existe há mais de cinco anos, que
houve uma primeira leva de acampados que foram assentados, há menos tempo uma
segunda leva e agora, das mais de 100 famílias, uma boa parte será assentada em breve
em duas áreas já destinadas pelo governo federal.

Os mais de 50 ed
ucadores populares, que participam do IV Encontro Macro
Sudeste da RECID no Centro de Formação Maria Olinda (CEFORMA) do
Assentamento Juerama, aprendem como se organiza um acampamento, com suas
equipes de formação, saúde, disciplina, de jovens, como vivem e sobrevivem enquanto
estão à beira da estrada, etc. Ao final, os jovens do Acampamento são convidados para
uma oficina de hip-hop a realizar-se no dia seguinte.

O IV Encontro macro-regional Sudeste, acontecido no final de agosto, tem como
tema “Grandes Projetos e poder popular: a RECID pensa o futuro com os pés no chão.”
A pergunta é: “No contexto dos grandes projetos e na relação Estado x Sociedade Civil,
como nos organizamos em rede para continuar o trabalho da educação popular na
construção do poder popular? E como buscamos sustentabilidade para isso?”

Os problemas não são poucos, assim como as lutas e a resistência em todos os
lugares. Felizmente a tranqüilidade do CEFORMA, o silêncio, o campo de futebol onde
os participantes jogam às seis da manhã, as árvores que cercam o alojamento permitem
um tempo de reflexão com cuidado e sem pressa.

No carrossel inicial, Estado a Estado, para conhecimento da realidade local,
o Rio de Janeiro apresenta o problema da violência e os processos de expulsão
de populações do espaço urbano, com a desocupação forçada da zona portuário, a
siderúrgica que está sendo construída na Bahia Sepetiba, Zona Oeste, trazendo poluição,
expulsando pescadores. A preocupação estende-se à Copa de 2014 e às Olimpíadas
de 2016, onde muitas vezes prometem-se mundos e fundos, mas os pobres, se não
estiverem organizados e não resistirem, acabam retirados de seus lugares de moradia
e o turismo se torna mais importante no projeto de desenvolvimento. Há resistência de
pescadores, que se organizam, há resistência das populações que se vêem afetadas em
seus direitos.

Espírito Santo, Estado com histórica e forte presença da pequena agricultura,
vê acelerar nas últimas décadas a industrialização e suas conseqüências, vê crescer as
monoculturas da cana, do eucalipto/celulose, que trazem a ameaça do deserto verde. A

violência cresce e se faz presente na Grande Vitória e nas prisões superlotadas. Mas
sem-terras, quilombolas, pequenos agricultores resistem e discutem um outro projeto de
desenvolvimento.

Em Minas Gerais, há o controle político e midiático que não permite que os
reais problemas do Estado aflorem. Também se fazem presentes os grandes projetos
ligados aos agro-combustíveis ou a monoculturas – a cana o eucalipto, a pecuária, a
soja, mais a mineração. Mas no campo e na cidade, quilombolas – há 374 comunidades
em processo de reconhecimento -, assentados e pequenos agricultores buscam outros
caminhos, assim como catadores e recicladores se organizam para mostrar um outro tipo
de desenvolvimento.

São Paulo é a grande metrópole. O Estado está privatizado no transporte, na
educação, na saúde, nas estradas e seus pedágios, até na Copa do Mundo. A vida do
paulistano é muitas vezes dentro do ônibus. A especulação imobiliária é uma realidade
cruel. Mas a Economia Solidária, a juventude através do hip-hop buscam enfrentar a
marginalização, a violência, a despolitização.

Não há um único caminho, nem o caminho é fácil. A Rede de Educação Cidadã,
com seus educadores, centenas deles espalhados pelos 4 Estados, busca a clareza do
debate junto com os movimentos sociais , faz parcerias com ONGs e outras instituições
apoiadoras da educação popular. A Região Sudeste talvez seja a de mais problemas e
contradições e mais complexa hoje no Brasil.

Dona Lúcia, do Acampamento Carlos Marighella, faz uma fala emocionada ao
final da visita: “Estamos aqui na luta, e nós vamos vencer, nós vamos ganhar a terra,
nós vamos plantar no que é nosso. É sofrido agora, mas juntos nós vamos ter nosso
direito.”

Os jovens e adolescentes do Acampamento vão para a oficina de hip-hop, onde
o Gas.pa, do Luta Harmada do Rio, explica a origem e o contexto do surgimento do hip-
hop no Brasil e no mundo. E o paulista Alan dá uma aula prática de como compor uma
letra e um música de hip-hop. Em torno do quadro negro, pede que digam as palavras-
chave e, coletivamente, compõem um pedaço de uma letra que, após 45 minutos de
interação, sai assim: MST é luta, é resistência, conquista e liberdade;/ MST é ocupação,
é reforma agrária e educação;/ MST contra o latifúndio e a desigualdade;/ MST
organização, fazendo ocupação.”

Todos cantamos o que é criação coletiva. Assim como devem ser o Brasil e o
mundo. Assim como são o sonho e a utopia que nunca deixam de estar presentes ou de
renascer.

Selvino Heck Assessor Especial do Gabinete do Presidente da República Em dezesseis de setembro de dois mil e dez

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