E foi assim um dia – Enchente no Acre 2012

Foi assim… Um dia nossos filhos nos perguntarão como foi o maior fenômeno natural dos últimos anos aqui na fronteira. E certamente quando estivemos relembrando da grandeza e da força da natureza e como o homem subestima seu poder, também vamos lembrar das ruas que costumávamos andar com amigos/as e que a única maneira de passear por elas era através de barcos.

Das casas que costumávamos visitar, que nos bateu o desespero quando não pudemos vê-las, só dava para ver os telhados. Certamente nos emocionaremos quando lembrarmos da cena daquela senhora desesperada chorando porque deixou o computador do filho que foi pago apenas uma parcela dentro de casa e não ter tido tempo de resgatá-lo.

As famílias que conversamos que abandonaram suas casas apenas com a roupa do corpo, mais ainda se solidarizaram com os outros, ajudando a resgatar seus pertences. O desespero de amigos resgatando animais que passavam despercebidos meio o desespero das pessoas, mas que eram lembrados e resgatados por alguns.

Dos dias que não pudemos voltar pra casa por passar o dia ajudando, esquecer-se de ir pra casa cedo e quando tentar voltar não poder pelo níveldas aguas estar elevado e não ter condições de tráfego algum nem mesmo de barco, ter que dormir na casa de amigos “dormir não, passar a noite” passávamos as noites em claro com medo que as águas nos pegassem de surpresa no meio da madrugada. Dos dias sem comunicação, isolamento total, sem telefones, internet, as pessoas tinham notícias nossas superficialmente e se preocupavam mais ainda.

Nunca pensávamos que veríamos tais cenas, uma enchente democrática, que alagou tanto a casa do pobre quanto a do rico, mas é claro, o rico recupera seus bens mais rapidamente, enquanto os pobres, só Deus.

Vamos contar dos boatos que rolavam, o pessoal mesmo no desespero ainda tinha criatividade pra inventar umas lendas:

  • A castanheira que estava descendo e que provavelmente ia derrubar a ponte
  • Das 7 pessoas que morreram, e no fim foi apenas 1
  • Das lojas que caíram
  • Dos sacos de dinheiro perdidos na enchente pelos comerciantes
  • Ah, alagou porque fulano disse : -Nem Deus atrapalha esse carnaval “ essa não poderia faltar né”.

Como existem pessoas boas pra ajudar, têm pessoas ruins pra piorar ainda mais, ladrões se aproveitam da situação para invadir casas e roubar daqueles que já perderam tanto, para o aumento do desespero daquelas pobres famílias.

Falaremos aos nossos filhos já com ar de alivio e contente: você precisava ver a cara do povo quando o rio começou a baixar. O povo nem se importava com o cheiro ruim que ficou nas ruas, nas casas, das lamas nas canelas, do lixão que a cidade se tornou, o pessoal queria voltar pra casa, recomeçar suas vidas.

Mas meu filho, nem todos eram só alegria, alguns não perderam só seus bens mais acessíveis mas também suas casas, presenciamos cenas de senhoras e senhores sendo notificadas pela defesa civil que suas casas estavam condenadas, nos emocionamos ao ver pessoas que trocaram sua feição de felicidade por tristeza ao chegar em locais e não encontrar suas casas nem mesmo suas ruas.

Não podemos deixar de te contar um fato que me marcou, os haitianos refugiados, marcados por sua própria tragédia, tiveram que ser desabrigados e transportados para um lugar mais seguro, muitos voltaram e retribuíram toda a solidariedade, todo carinho, todo o preconceito, todos mau tratos que receberam através de ações solidárias ajudando a transportar bens dos desabrigados, demostrando a grandeza em seus corações.

O sermão que levamos de nossas mães angustiadas , falando de suas preocupações por termos voltado pra casa apenas no fim de tudo e elas sem saberem nada de nós , mas ressaltavam o orgulho de seus filhos terem sido solidários com a situação dos outros

Meu filho, a enchente que teve data pra começar dia 17/02/2012, nunca terá fim no coração daquelas famílias que cada chuva que dá, bate aquele desespero das aguas subirem novamente e começar tudo de novo.

E a vida vai devagar voltando a ser como era antes ou pelo menos parte dela.

Um forte abraço a todos da RECIDFRONTEIRA que se solidarizaram com os atingidos pela maior enchente que nossa região já viu.

Por Maico Charles Lopes Pinheiro – jovem educador popular/voluntário da Recid/Epitaciolândia e Brasileia – Companhia de teatro Macaco Prego.

 

Fotos: Centro de Brasileia

 

 

haitianos ajudando os desabrigados

 

 

Centro de Brasileia – Local do Carnaval

 

 

Único acesso as casa e as crianças

 

Entrada da cidade

 

 

Escolas e desespero para salvar os pertences

 

Meios de comunicação

 

 

Periferia esquecida, enquanto corpo de bombeiro, exército, polícia se concentrava no centro da cidade.

 

Tentando voltar em casa para dar noticias para nossa família, quando o rio começou a baixar

 

O rio baixou – veja como ficou nossas cidades

 

O comercio

 

O centro

 

O Centro

 

Casas ribeirinhas

 

Uma das ruas mais tradicionais de Brasileia – rua da GOIABA

 

O Governador Tião Viana e o Senador Jorge Viana indo falar com voluntários, agr
adecer a força e garantir apoio na reconstrução das cidades.

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