Metodologia da análise de conjuntura

reuniao.jpgA partir deste mês, inauguramos, neste espaço do site, uma experiência. Em cada reunião da equipe do Talher Nacional, um(a) dos educadores conduzirão um processo de análise de conjuntura coletiva que resultará num texto a ser partilhado com o conjunto da Rede.

O primeiro desta série é o texto escrito pelo Cláudio Nascimento sobre a metodologia de fazer análise de conjuntura. Por isso, não deixe de ler e multiplicar este material. Bom debate!

 

Leia e reflita 

 

Metodologia da análise de conjuntura

Cláudio Nascimento
Equipe do Talher Nacional

Inicialmente, é importante destacar ‘porque’ a metodologia de análise de conjuntura (“análise concreta de uma situação concreta”) voltou à pauta dos movimentos sociais. A análise de conjuntura volta a ser um instrumental estratégico para os movimentos que, por sua própria dinâmica e natureza, articulam o campo teórico e a ação política. Analise de conjuntura se define como “busca de possibilidades para ação”. Neste sentido ela só tem validade quando realizada pelos próprios atores dos movimentos sociais. A fala de um assessor traz elementos e dados,mas não substitui a análise dos atores da práxis de cada movimento ou instituição.

A analise de conjuntura foi um instrumental muito utilizado no final da década de 70 e na de 80, quando da reestruturação dos movimentos sociais na saída da época do regime de ditadura militar, instalado em 1964. Diversas organizações não governamentais desenvolveram este tipo de atividade, sendo que, o IBASE (Instituto Brasileiro de Análises Socioeconômicas), com Betinho , desenvolveu um método de fazer análise, que resultou no livro “Como fazer análise de conjuntura”, editado pela editora Vozes. Todavia, com a crise que se instalou na década de 90, por varias razões deixou-se de fazer, ou fez-se menos análise de conjuntura. A partir de 2005, ocorreu uma retomada desse instrumental metodológico. Com o Governo Lula as contradições se complexificaram pondo novas necessidades para o conjunto dos movimentos sociais e os governos do campo democrático-popular,no sentido da ação imediata e de médio prazo, mas também do ponto de vista do debate sobre Projeto Nacional, o longo prazo, incorporando o debate sobre ‘desenvolvimento’.

Conceito e definição:

 

Pode-se definir a análise de conjuntura como um estudo sobre o “ possível “ que existe na realidade, não se resume a apenas um estudo sobre a realidade.

Podemos dizer que o “real” traz sem si a ‘realidade’ e ‘o possível” (as “possibilidades”). A analise de conjuntura é feita por “atores” que portam a intencionalidade de transformar a realidade, o que requer um instrumental. Conjuntura implica uma visão de mundo e, toda a análise de conjuntura implica uma análise da estrutura, que procure articular com as ‘ondas de longa duração’. Em razão de determinada leitura da realidade, as correntes políticas se formam. Em razão disto, pode-se compreender a análise de conjuntura como uma chave de ação política. A conjuntura é como uma foto de um filme em movimento, um momento ‘congelado’ da película.

Pode-se situar uma conjuntura em algumas escalas: indo da escala do poder local ao nível regional,nacional e mesmo mundial. Esta escala de análise deve ser definida, pois quanto maior a escala de tempo escolhida, por exemplo, um mês, uma semana, ou um ano, maior a dificuldade de análise dos fatos e acontecimentos. O mesmo critério vale para escala de espaço que pode ser local, estadual, nacional e mundial.

Podemos dizer que 80% da análise de conjuntura vem da experiência política vivida, sobretudo de grandes momentos de crise, com mobilizações sociais. A intuição tem peso nas análises. A análise de conjuntura articula o presente, ‘aqui e agora’, com o passado e o futuro, abrindo uma projeção de cenários possíveis. Se uma análise não abre projeção não tem valor político para práxis. Análise de conjuntura é clarividência mas também coragem para tomar decisões.

Elementos para a organização da análise de conjuntura:

1)Marco teórico (campo do conhecimento)

Este aspecto diz respeito a um campo de conhecimento, à teoria sobre a sociedade, a história, etc. Para muitos é o instrumental de análise marxista. Alguns elementos são fundamentais, por exemplo:

 

  • A formação social, cultural e político econômica do Brasil;
  • A história de luta dos movimentos sociais;

    Neste aspecto é preciso tomar cuidado para não cair no engessamento dos pensadores e das teorias.Cada realidade tem sua originalidade e toda práxis tem que captar esta originalidade, para evitar a copia de modelos.

    Há três grandes momentos numa análise de conjuntura:

    1-descrição;
    2-análise;
    3-síntese.

    2)Informação

    A análise de conjuntura depende de um grau avançado de informações sobre vários campos da realidade. Neste sentido, é importante se ter fontes de informação, sobre pessoas, dados, fatos e contextos.

    3)Definição de escala de tempo/espaço na análise

     

  • Pode ser um semestre, um mês, um ano… Mas como falamos acima, quanto maiores as escalas de tempo e espaço mais complexa torna-se a análise.

    4)Totalidade

     

  • Toda análise implica a totalidade (econômica, social, política, religiosa…) e precisa ser processual.

    Componentes da análise de conjuntura:

     

  • Análise dos fatos e acontecimentos. Por exemplo, o beijo de Judas em Jesus Cristo mudou o curso da história. Um outro beijo qualquer, pode apenas ser um fato, que não marca a história, a não ser das pessoas envolvidas.

     

  • Cenário: qualificar os cenários num tempo e num espaço. Espaços de rua e institucionais. Espaços fechados ou abertos, de elite ou de massa, ativos ou passivos.
  • Atores coletivos/atores individuais: os principais atores são os coletivos,os grupos,classes,etc.Mas,há indivíduos que têm papel importante na historia.

     

  • Análise da relaç&atild
    e;o de força – qual força tem esses atores numa perspectiva mais política? Qual a força dos adversários, dos aliados e dos inimigos? Que capacidade operativa temos para desenvolver determinadas ações e alterar a relação de forças.

     

  • Síntese – requer clarividência, conhecimento e experiência no sentido de articular uma visão de estrutura com a conjuntura. A práxis política se baseia na capacidade de antecipação.

     

  • Construção dos cenários e decisão sobre que rumos tomar e qual cenário fortalecer. Na projeção de cenários, há o jogo das probabilidades que por ser nula, média e alta. Pode-se, assim, prever “o curso provável” dos acontecimentos. Há uma projeção como conhecimento (ver o que pode acontecer), e uma projeção planejada de ações dirigidas aos objetivos (passos táticos e estratégicos,etc).

    Assim, iremos investir nossas forças nos cenários de alta probabilidade de vitória.

    É importante também o estudo do adversário. O que pensa? Como age? A análise de conjuntura é importante porque permite situar os atores sobre qual projeto estão construindo. Para mudança no longo prazo,o ideal é combinar forte organização popular com a governos de esquerda nos espaços institucionais. A pressão dos movimentos sociais por políticas públicas, que podem ajudar a alteração da relação de forças. Combinar a ‘guerra de movimento’ com a ‘guerra de posições’, no sentido Gramisciano, acumular forças em certas conjunturas.

    Às vezes há uma contradição entre estratégia e tática. Se de um dia para o outro muda-se a estratégia é sinal de oportunismo político, pois a estratégia tem caráter de ‘longa duração’, implica princípios,etc.. Por isso, a conjuntura precisa ser feita processualmente. É importante distinguir as várias formas de acúmulo de forças: pode ocorrer derrotas no nível político, mas avançar no nível de consciência. Pode ocorrer derrota no campo militar, mas resultar em ganhos de consciência e organização. As lutas nunca são apenas vitórias ou derrotas.

    Outra questão é a da metodologia? Como fazer? Só se aprende a fazer, fazendo a partir do local, das ações de base.

    É preciso organizar as condições (do ponto de vista pedagógico e emtodológico) para que todos aprendam a fazer análises de conjuntura, se apropriar autonomamente do método. Nestes sentido, a Rede pode realizar oficinas. Lembramos que Betinho utiliza o “teatro”, com cada pessoa incorporando um ator, uma força e, a partir disto, desenvolvia-se uma ação, um enredo. A análise de conjuntura é, na verdade, uma cena teatral incorporando as situações dadas de um momento histórico. Por isto, o teatro é um recurso muito importante.

    A Rede pode organizar grupos que se encarreguem da multiplicação da metodologia de análise de conjuntura, que também pode ir fazendo análises em nível local. Pois, a melhor forma de aprender a fazer análise de conjuntura é fazendo análises de conjunturas.

    Questões colocadas pela equipe:

     

  • O desafio é como fazer a análise de conjuntura relacionando-a aos processos da Rede;
  • Toda a análise de conjuntura é feita a partir de um ponto e de uma leitura ligada à determinada visão de projeto;
  • Metodologia não é só pra equipe do TN. Como levar essa reflexão pras bases, para que os grupos se apropriem desta metodologia na perspectiva da autonomia política;
  • É necessário criar essa cultura, fazer análise de conjuntura e correlacionar à nossa prática passando pelo local, global, local, nos processos de educação popular;
  • Hoje, quem é o sujeito dos processos de mudança? O proletariado é o único sujeito revolucionário? Classe social? Outros grupos?
  • É necessário pensar oficinas de análise de conjuntura em todos os níveis da Rede.
  • Na Rede até tem análise de conjuntura, mas não sai e não avança para além do senso comum.

    Definição de revolução:

     

  • Conceito como processo de longo prazo que supõe avanços e recuos;
  • Revolução não é linear – pressupõe o conceito de tempo. A história dos oprimidos é baseada na descontinuidade;
  • Como traduzi-la para o cotidiano?
  • Ou os militantes estão embasados numa concepção de utopia ou não conseguem ligar as suas lutas cotidianas às lutas mais amplas.

    Níveis diferentes do processo pedagógico:

     

  • Primeira coisa é o conceito;
  • Outra coisa é a linguagem (a forma como traduz-se o conceito para diferentes grupos e realidades…).

    Cláudio sugeriu a leitura do livro Para Além do Capital, do Istvan Mézaros, para entender o processo de “fenecimento” do Estado e como a sociedade se reapropria e pensa uma socialização pelas bases.

     

     

     

  • Deixe uma resposta

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

    2 + 7 =