Segurança Alimentar: Processo de emancipação exige novo modelo de desenvolvimento

ImageMais de 400 pessoas, entre conselheiros nacionais e estaduais de segurança alimentar (Conseas), se reuniram no I Encontro Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional para avaliar o cumprimento das diretrizes definidas para a área.

Jonas Valente – Carta Maior

BRASÍLIA – A concretização de conquistas e a garantia de avanços necessários para erradicar a fome e garantir o direito humano à alimentação adequada ainda depende de mudanças no modelo de desenvolvimento adotado pelo País. A avaliação partiu de mais de 400 representantes de conselhos nacionais e estaduais de segurança alimentar (Conseas), que se reuniram em Brasília, na semana que se passou, no I Encontro Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

O objetivo do evento foi avaliar o cumprimento das diretrizes definidas na II Conferência Nacional de Segurança Alimentar, realizada em Olinda em 2004, e preparar a nova edição da conferência, marcada para 2007. Nos debates, o crescimento da visibilidade da área foi ressaltado como um dos principais avanços obtidos nos últimos anos. “O tema da segurança alimentar e nutricional está se inserindo na opinião pública e na agenda do País. E o mais importante é que isso se dá com uma concepção dentro da perspectiva do direito humano à alimentação e da segurança com soberania alimentar”, destaca Chico Menezes, presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), órgão consultivo ligado à Presidência da República.

Na avaliação dos participantes, esta importância se traduziu em ações de governo, que foram consolidadas e geraram impactos reais na população. Entre as iniciativas destacadas no balanço feito no encontro esteve o consagrado Bolsa Família, programa de transferência de renda que até o final do ano irá alcançar 11 milhões de famílias; o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que aumentou de R$ 0,13 para R$ 0,22 o valor per capita da merenda escolar, e o programa 1 Milhão de Cisternas, que está levando água para a população do Semi-Árido Nordestino. “Programas como o Bolsa Família e a alimentação escolar estão propiciando melhores condições de alimentação, sobretudo para os grupos mais vulneráveis”, destaca Menezes. O presidente do Consea lembra também as ações no campo do fortalecimento da agricultura familiar e abastecimento alimentar, como o aumento dos recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) de R$ 2 bilhões para R$ 10 bilhões e a ampliação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que compra produção de agricultores familiares.

DESAFIOS
No entanto, para os conselheiros presentes ao encontro foi dado apenas um passo inicial e há muito a ser feito para erradicar a fome e as condições de insegurança alimentar da população. Segundo Adriano Martins, do Consea da Bahia, a superação deste quadro passaria pela correção do atual modelo de desenvolvimento brasileiro, caracterizado pela concentração de renda, degradação do meio ambiente e espoliação das populações locais. Nesta linha, o documento final do evento aponta como desafios: a “adoção de políticas que promovam um crescimento econômico assentado na geração de emprego e oportunidades de trabalho na cidade e no campo, reduzindo as desigualdades sociais e afirmando o primado da soberania em relação aos demais interesses nas relações internacionais” e “prioridade no resgate da imensa dívida social vigente no país, rejeitando com vigor o argumento de que os recursos destinados à garantia de direitos e emancipação dos mais pobres são excessivos e indevidos”.

O combate ao discurso conservador de que os investimentos para a garantia dos direitos da população seriam gastos com problemas e passíveis de revisões e reduções foi ressaltado pelo presidente Lula na cerimônia de entrega da carta final do encontro. "Este País tem uma maioria de homens, mulheres e crianças que precisam ser assistidas pelo Estado brasileiro e, portanto, precisamos abolir a palavra gasto, quando se trata de dar educação, dar saúde e dar alimento a esse pobre", afirmou. “Precisamos buscar a eficiência dos programas, mas precisamos dar resposta a um discurso elitista que deseja destinar recursos para ganhos financeiros e defesa dos interesses dos mais ricos”, defendeu Chico Menezes.

Na avaliação do presidente do Consea, a mudança do modelo de desenvolvimento passa por resistir à ofensiva conservadora, mas também por superar o atendimento das necessidades emergenciais da população mais pobre. “É importante que os programas de assistência voltados aos grupos mais vulneráveis sejam acompanhados de medidas que permitam um processo de emancipação destas famílias em relação à assistência do Estado”. Outro desafio destacado por Menezes é a inclusão de dimensões específicas como cor, gênero, etnia e renda. “A gente devia cada vez mais pensar que grupos populacionais específicos, como indígenas, quilombolas e populações de rua, precisam de programas específicos para garantir o respeito às suas culturas. Não vão ser os programas mais massivos que irão responder a estas necessidades específicas”. Ele cita como exemplo dificuldade que populações de rua estão tendo para receber o Bolsa Família.

O ministro do desenvolvimento social, Patrus Ananias, reconhece que há muito a ser feito para mudar a estrutura desigual do País, mas avalia que o governo está conquistando avanços dentro do possível. “Sabemos que o Brasil acumulou, ao longo da sua história, uma dívida social muito alta e o resgate desta dívida é a grande prioridade do governo Lula e de toda a sociedade brasileira, que querem uma País justo e digno. É um processo que não se dá de um dia para outro, mas estamos no rumo certo”.

SISTEMA NACIONAL
Um requisito para o fortalecimento dos programas de Segurança Alimentar e Nutricional dentro do contexto de resgate da dívida social brasileira é a consolidação de um arranjo institucional que fortaleça a área e permita a participação da sociedade civil na formulação, monitoramento e avaliação das políticas. Neste sentido, uma das principais recomendações deliberadas no encontro foi a aprovação da Lei Orgânica da Segurança Alimentar e Nutricional (Losan), em tramitação no Congresso. O Projeto de Lei prevê a criação de um sistema nacional e de estruturas semelhantes nos estados e municípios.

Na opinião de Adriano Martins, o grande desafio que este Sistema nacional garanta a intersetorialidade dos programas, o maior diálogo entre a esfera federal e a estadual e municipal e a institucionalização da participação e do controle social das políticas. A defesa da abordagem intersetorial se baseia no fato de inúmeros órgãos da gestão pública terem ações que dizem respeito à segurança alimentar e nutricional. O MDS lida com a transferência de renda e programas de abastecimento alimentar, os ministérios da Agricultura e Desenvolvimento Agrário têm responsabilidade direta sobre a produção dos alimentos, no Ministério da Educação está a merenda escolar (um dos maiores programas de garantia de acesso a alimentos) e a pasta da Saúde cuida do combate à desnutrição, para citar alguns exemplos.

“Hoje você tem programas importantes, mas que não dialogam com outros programas. Fragmentação pode fazer com que esforços não se potencializem. Por exemplo, transferência de renda é direito, mas se junto com ela também não é feito um trabalho de educação alimentar é possível que as pessoas comam mal, o que já é verificado em casos como o crescimento da obesidade entre a população”, explica. Martins considera que somente a aprovação e a devida regulamentação da Lei Orgânica pod
e abrir caminhos para superar estes obstáculos. Recentemente aprovada na Câmara, a proposta foi encaminhada ao Senado. Se for aprovada sem alterações, segue para sanção pelo presidente.

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