Jovens do Hip Hop do DF se unem para combater preconceito

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“A carne mais barata do mercado é a carne negra”. O trecho da canção de Seu Jorge e Marcelo Yuca foi apenas um mote usado por jovens ligados ao movimento Hip Hop do Distrito Federal para denunciar as constantes situações de discriminação a que são submetidos os jovens negros das periferias e cidades satélites de Brasília.

 A  história do rapper Eder Faria, 24, membro do grupo Missionários do Rap, é um bom demonstrativo desta violência. Há cerca de três anos, após participar de uma reunião no Conic, no Plano Piloto, ele foi perseguido por dois Policiais Militares até entrar no ônibus que o levaria para casa no Gama-DF, cidade satélite que fica a 32km do Plano Piloto.

Além de persegui-lo, os dois policiais pararam o ônibus e o submeteram a uma situação vexatória em frente a todos os passageiros. “Fiquei com vergonha de pegar o mesmo ônibus. Todo mundo ficou olhando pra mim como se eu fosse um marginal”, disse.

Situações como esta foram apresentadas pelos 70 participantes do 1º Encontro Hip Hop Educação Cidadã, promovido pelo Talher-DF, em parceria com o movimento no Distrito Federal, dia 2 de julho, no Centro Pró-Gente, em Ceilândia-DF. O encontro reuniu dez grupos de Hip Hop das satélites, ou “quebradas” como preferem, de Samambaia, Ceilândia, Brazlândia, Santa Maria, Gama, Pedregal e Recanto das Emas.

Encontros como este, avalia Alex Martins, 23, da Família Hip Hop, um dos organizadores do evento, ajudam o movimento a se unir mais. Hoje no Distrito Federal, segundo ele, mais de 10 mil jovens estão ligados aos quatro elementos do Hip Hop: Break, Disque Jóquei (DJ), Mestre de Cerimônia (MC) e Grafite. Contudo, as suas lutas ainda estão muito dispersas e isoladas, avalia. Só a educação, para o rapper, pode levar à cidadania.

Segundo Magda Maria da Silva, a equipe do Talher-DF provocou os jovens do Movimento Hip Hop para realizar o encontro. Tudo o mais, da organização à mobilização dos grupos correu por conta dos próprios jovens que também pensaram a programação do dia que incluiu apresentação de rappers e dança.

“Acorda prá vida” – Após participarem de uma Oficina sobre Análise de Conjuntura, coordenada por Daniel Seidel, secretário executivo da Comissão de Justiça e Paz da Conferência Episcopal dos Bispos do Brasil (CNBB), os jovens denunciaram o preconceito que, muitas vezes, sofrem até dos próprios pais em razão do seu jeito de se vestir.

O direito à identidade está assegurado na Constituição, concluiu Daniel Seidel em sua análise de conjuntura, advertindo que isso apenas não assegura a cidadania e o respeito aos jovens do movimento Hip Hop. “A periferia precisa se levantar. Ter um presidente de esquerda só não assegura mudança nenhuma”, disse.

Isso passa, segundo o secretário da Comissão de Justiça e Paz, por, além de se integrar às lutas sociais mais amplas, reforçar o processo de construção da auto-imagem do movimento Hip Hop na produção de suas músicas, mensagens, manifestos e no próprio jeito de se vestir.

 A análise de conjuntura, disse Daniel, precisa ser feita a partir do lugar social de onde se está. “Quem mora no Plano Piloto não pega ‘baú’ lotado todo dia e não compreende a realidade da periferia”, disse Daniel.

Os jovens também assistiram e debateram o vídeo-documentário “Rap, o Canto da Ceilândia”, produzido por alunos da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília. Segundo X-Câmbio Negro, um dos rappers que aparecem no vídeo, a história de Ceilândia é uma história de suor, sangue e lágrima.
 
Ceilândia é a cidade satélite com maior população. Hoje em torno de 400 mil habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e estatística (IBGE), o que corresponde a cerca de 18% da população do Distrito Federal. A grande parte deles é de imigrantes, especialmente do Norte e Nordeste do Brasil, que vieram à capital para tentar nova vida.

Como outras satélites de Brasília, o processo de favelização e crescimento da Ceilândia se intensificou sobre os auspícios do governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz (PMDB), que seduziu os imigrantes mais pobres, oferecendo-lhes casas, para compor para si um considerável depositório de votos.

Um trecho da rap dos Missinários do Rap resume bem o que foi o dia para os participantes do 1º Hip Hop Educação Cidadã do Distrito Federal: “Acorda Zé Ruela, não deixe que o sistema te domine. Acorda prá vida”.

O assessor especial do Presidente da República, Selvino Heck, presente no evento, reforçou a necessidade do debate, da educação e da união para mudar a realidade.  Jovens do pré-assentamento Gabriel Monteiro, de Brazlândia, ligados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra também participaram do encontro.

Por Willian Bonfim
 

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