Doença mental é caso de justiça no Brasil

Segundo dados da OMS, inclusive, mais de 30% da população, independente de classe social, credo ou cor, necessitam de algum atendimento psiquiátrico.O Ministério da Saúde brasileiro, sem uma política adequada para o atendimento ao doente mental, vem praticando uma reforma psiquiátrica, editando portarias, sem levar em conta as reais necessidades da população

Segundo dados da OMS, inclusive, mais de 30% da população, independente de classe social, credo ou cor, necessitam de algum atendimento psiquiátrico.O Ministério da Saúde brasileiro, sem uma política adequada para o atendimento ao doente mental, vem praticando uma reforma psiquiátrica, editando portarias, sem levar em conta as reais necessidades da população. 

 A única preocupação é fechar hospitais e reduzir leitos, como se a doença não existisse mais ou a população parasse de crescer. Faltam medicamentos, ambulatórios, tudo. O governo tinha que se preocupar com os três níveis de atendimento que o doente mental precisa: um trabalho preventivo com boas campanhas esclarecedoras para doentes e familiares; garantir o atendimento em ambulatórios, a distribuição de remédio e a manutenção da dosagem correta para cada caso, e, em último caso, a internação nos momentos de crise aguda ou dos crônicos em crise – diz Lídia Nogueira, do movimento Grupos representativos de Doentes Mentais do Rio de Janeiro.

Reforma psiquiátrica aumenta número de doentes nas ruas e prisões

A situação dos doentes mentais moradores de rua é muito grave. O programa Saúde da Família sem domicílio, da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, mostra que 30% dos 2 mil sem teto naquela cidade "apresentam sintomas de esquizofrenia, alucinações visuais e auditivas, retardo mental e comportamento agressivo". Segundo dados apresentados no XXIV Congresso Brasileiro de Psiquiatria, atualmente 500 mil pessoas vivem nas ruas do País, 30% dos quais são doentes mentais e 50% deles são dependentes de álcool ou drogas, chamados dependentes químicos. 

Por tudo isso, grupos representativos de familiares e doentes mentais querem uma rediscussão do tratamento e assistência à pessoa portadora de transtornos mentais. Lídia Nogueira, professora, familiar de doente mental, há 10 anos se dedica a atender e encaminhar para tratamento pessoas com problemas mentais, desde dependência química até casos de crises graves.
– O Brasil precisa discutir urgentemente a doença mental nos seus três níveis de assistência: o tratamento em ambulatório, os serviços extra-hospitalares e, como última opção, a internação.

A principal discussão é o atendimento nos ambulatórios.  Os pacientes levam até três meses para conseguir uma consulta e quando consegue ser atendido corre o risco do lugar não ter receituário para medicamento controlado nem o medicamento.

Os responsáveis por essa situação são os três poderes de governo: secretarias de saúde municipal, estadual e Ministério da Saúde.

– Noventa por cento dos doentes dependem de medicamento, que é o oxigênio da psiquiatria. Sem esse primeiro atendimento, sem a medicação adequada, o doente mental pode entrar em crise em casa, na rua, no hospital e nas prisões.

– É preciso criar um sistema de atendimento para identificação e retirada dessas pessoas da rua – continua ela. Uma central de informações nacional – porque eles se movimentam mesmo a pé, e transitam de um estado a outro.  A situação é tão grave que muitos municípios, para se livrar do problema, pegam os doentes que transitam por suas ruas e levam para outros municípios, soltando-os abandonados, num lugar que eles não conhecem. Eles ficam assustados e cada vez se movimentam para lugares mais distantes de suas famílias.

Na rua, eles continuam procriando, tendo filhos, que nascem sem qualquer identificação, sem nome e sem família e com muitas possibilidades para seguir o mesmo caminho dos pais.

Em 1993, a prefeitura do Rio de Janeiro assinou um protocolo de intenções para atendimento ao doente mental mendigo. O prefeito César Maia prometeu que a implantação se daria em pouquíssimo tempo, mas o projeto nunca saiu do papel.

Sem saída: doente que escapa da rua acaba na prisão

Tão grave quanto estar nas ruas é o fato de muitos estarem presos porque não têm família e a polícia não consegue distinguir o doente mental do criminoso comum.

Um caso com grande repercussão no Rio, foi o da pensionista Solange, que numa crise ateou fogo numa mulher, que estava na fila do banco. Ela não tinha nenhum documento, nenhuma receita, nenhum laudo médico ou familiar que mostrasse que era portadora de transtorno mental. Ela foi presa como uma criminosa violenta. No entanto, ela é de uma família com histórico de doentes mentais e, segundo relato dos vizinhos, costuma ter crises noturnas com muitos gritos e pedidos de socorro por estar sendo queimada, embora estivesse sozinha em casa. Mais uma vez, dona Lídia teve que entrar em ação:
 
– Desconfiei que alguma estivesse errada e procurei a vizinhança para saber o que acontecia com aquela mulher. Ela vivia sozinha e tudo indicava que fosse uma doente sem tratamento. Ouvi os vizinhos, levei o caso para a promotoria e conseguimos que ela fosse avaliada e hoje está no manicômio judiciário aguardando julgamento.

O que é a reforma psiquiátrica?

A reforma psiquiátrica ajudou a melhorar as condições de atendimento nos hospitais, onde os doentes viviam em condições subumanas. Mas as soluções propostas não resolvem os problemas de doentes e familiares. Por lei, cada estado e município tem que ter uma estrutura de assistência em ambulatórios, Centros de atenção psico-social (CAPS), hospital dia, hospital noite, NAPS – núcleo de atenção psico-social, residência terapêutica, todos com equipes multidisciplinares e medicação variada.

Mas nada disso existe na realidade.  No Rio de Janeiro, por exemplo, apenas dois municípios atendem com um mínimo de dignidade: Caxias e Paracambi. Nem a capital do estado está preparada para atender doentes mentais, diz Dona Lídia:

– Em Caxias tem dois CAPS, um sistema chamado "porta de entrada" com equipe multidisciplinar completa. Os doentes são higienizados, avaliados, medicados e encaminhados para tratamento. Porém, não consegue atender a todos os que precisam. A sua capacidade não chega a 50%. Paracambi, que tem 200 mil habitantes, atende a toda a população doente, nos três níveis de assistência.

Ela continua:

– O Ministério da Saúde não se preocupa com o atendimento em ambulatório. Muitas vezes o paciente consegue uma consulta, recebe a prescrição e a dose específica para a crise. Como só vai conseguir ser atendido novamente, no mínimo, em 90 dias, fica tomando remédio com dosagem superior a que realmente precisaria. Na próxima consulta, é atendido pelo médico de plantão, que nem sempre é o mesmo. Este novo médico, não conhecendo o paciente, com base nas informações do prontuário, acaba mantendo a medicação. Uma verdadeira bola de neve. Quando em crise, tem dificuldade para ser atendido. Atendido, acaba medicado inadequadamente

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