Brasil – Plano de desenvolvimento da educação

Claudemiro Godoy do Nascimento

PARA INÍCIO DE CONVERSA
Na história da educação brasileira a febre do "desenvolvimento" se tornou uma marca registrada dos governos que estabelecem as ações do Estado. Os discursos se voltam para desenvolver o país. Torná-lo, republicanamente, uma nação alicerçada nos princípios e nas razões do positivismo que estão estampadas na bandeira nacional: o lema é desenvolver para o progresso e para a ordem social. Isto me lembra muitos autores como Hobbes, Locke, Durkheim e Weber que defendem a ordem e o progresso a partir do princípio da harmonia e da paz social.O novo Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) assume as mesmas características dessa febre já registrada em outros momentos na história da educação brasileira em tempos de regime militar e de neoliberalismo na educação com FHC.

PARA INÍCIO DE CONVERSA
Na história da educação brasileira a febre do "desenvolvimento" se tornou uma marca registrada dos governos que estabelecem as ações do Estado. Os discursos se voltam para desenvolver o país. Torná-lo, republicanamente, uma nação alicerçada nos princípios e nas razões do positivismo que estão estampadas na bandeira nacional: o lema é desenvolver para o progresso e para a ordem social. Isto me lembra muitos autores como Hobbes, Locke, Durkheim e Weber que defendem a ordem e o progresso a partir do princípio da harmonia e da paz social.

O novo Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) assume as mesmas características dessa febre já registrada em outros momentos na história da educação brasileira em tempos de regime militar e de neoliberalismo na educação com FHC. Assim, em algumas reflexões, pretendo descrever e analisar algumas questões pertinentes contidas no Plano de Desenvolvimento da Educação, chamado por alguns de "PAC da Educação" o que nos estimula pensar a continuidade de associação entre educação e economia.

Recentemente, o Ministro da Educação Fernando Haddad lançou um documento-livro intitulado O Plano de Desenvolvimento da Educação: Razões, Princípios e Programas que se encontra disponível no site do MEC – www.mec.gov.br – onde analisa, segundo seus critérios, os avanços do PDE e sua importância para a sociedade brasileira. A apresentação foi feita pelo Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva que enaltece o espírito público do governo e o compromisso com a educação. Ressalta que em seu governo, setores duais da sociedade brasileira têm apoiado as iniciativas e os programas voltados para a educação, tais como: PROUNI, Universidade Aberta, FUNDEB, Piso Salarial Nacional do Magistério, IDEB, REUNI, IFET, entre outras. Seria muito interessante percorrer os avanços e retrocessos de cada programa apontado por Lula, mas, queremos permanecer focados no PDE enquanto novo fundamento administrativo e político da educação brasileira.

Portanto, nesta primeira reflexão acerca do PDE queremos analisar e interpretar determinados elementos contidos na primeira parte do documento-livro que aborda, especificamente, as razões e princípios do Plano de Desenvolvimento da Educação. Trata-se de um documento realmente curioso. Aparentemente, possui características que nos fazem pensar que estamos diante de uma revolução na educação brasileira, mas, como já dizia Kozic em sua Dialética do Concreto é preciso que percebamos este documento como algo que é ou parecer ser, mas, nem tudo o que é, o é de fato, pois existe algo escondido e vendado que se encontra por detrás do documento. Nossa tarefa é desvendá-lo.

Segundo o Ministro Fernando Haddad algo fundamenta a educação brasileira e o próprio PDE que "reconhece na educação uma face do processo dialético que se estabelece entre socialização e individuação da pessoa, que tem como objetivo a construção da autonomia, isto é, a formação de indivíduos capazes de assumir uma postura crítica e criativa frente ao mundo" (Haddad, 2007: p. 05). O próprio Ministro afirma que todos os programas e a própria política do ministério está permeada por estes objetivos, ou seja, de tornar as pessoas mais críticas e criativas frente ao mundo. Mas o que seria o mundo para o Ministro? É a primeira questão que mais a frente tentaremos desvendar.

Há um reconhecimento que a educação pública oferecida pelo Estado por meio da escola não é a única a se desenrolar nas relações sociais, mas, juntamente com a família e a comunidade, onde todas estão voltadas com a interação do indivíduo com o trabalho. Uma nova categoria se apresenta neste novo cenário de febre do PDE, a saber: "individuação". Confesso que me causou curiosidade esta nova terminologia que não se trata de um neologismo, mas de uma nova categoria utilizada pelo governo. Como já diziam os antigos que "a curiosidade matou o gato" fui procurar o termo no Dicionário Aurélio que em nada aborda a questão que está associada a individualidade ou a individualismo? Pois, filosoficamente são termos que se diferenciam

Mas, para nossa surpresa, o termo "individuação" utilizado pelo Ministro da Educação se trata de uma categoria criada pelo psicólogo Carl Gustav Jung se tornando um dos principais conceitos de sua famosa psicologia analítica. Mas o que significa? Segundo Jung "é um processo através do qual o ser humano evolui de um estado infantil de identificação para um estado de maior diferenciação, o que implica uma ampliação da consciência. Através desse processo, o indivíduo identifica-se menos com as condutas e valores encorajados pelo meio no qual se encontra e mais com as orientações emanadas do Si-mesmo" (Citação retirada da Enciclopédia Livre Virtual – Wikipédia).

E ainda, com toda ênfase, "Jung ressaltou que o processo de individuação não entra em conflito com a norma coletiva do meio no qual o indivíduo se encontra, uma vez que esse processo, no seu entendimento, tem como condição para ocorrer que o ser humano tenha conseguido adaptar-se e inserir-se com sucesso dentro de seu ambiente, tornando-se um membro ativo de sua comunidade. O psicólogo suíço afirmou que poucos indivíduos alcançavam a meta da individuação de forma mais ampla". (Citação retirada da Enciclopédia Livre Virtual – Wikipédia).

A individuação não entra em conflito com as normas coletivas, pois pressupõe-se que o indivíduo esteja adaptado e inserido no sistema. Mas o documento fala de individuação e socialização. Começando pela individuação é perfeitamente possível, pois o primeiro determina o segundo. Daí que a socialização é um passo que cumpre a função coadjuvante neste cenário. O que importa mesmo é a individuação do indivíduo. Mas quais os motivos disso? Tentaremos desvendar adiante.

O PDE é uma resposta institucional a tais questões afirma Fernando Haddad, já que as políticas de educação devem se harmonizar com os ideais da República. É bem verdade que o texto apresenta questões fundamentais que ainda a sociedade brasileira não conseguir superar, tais como a construção de uma "sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" (Constituição Federal de 1988, art. 3º – Haddad, 2007: p. 06).

No entanto, tal sociedade livre, justa e solidária no entender de Fernando Haddad só pode ser vivida sob a égide de uma educação republicana onde se pretenda a autonomia, a inclusão e a diversidade. Daí que o desenvolvimento do país só ter condições de avanço por meio dessa educação de qual
idade que possibilite a equalização de oportunidades de acesso. O PDE reafirma o compromisso com a multiplicidade e se propõe a superar a uniformidade do sistema. No entanto, o próprio PDE não seria uma continuidade do paradigma uniforme historicamente petrificado no sistema nacional de educação?

Outra categoria está contida nesta primeira etapa do documento, a saber: territorialidade. Na concepção de Fernando Haddad as desigualdades estão contidas no país e pode ser superado se compreendermos os enlaces territoriais e suas clivagens culturais e sociais. O PDE quer utilizar a educação e o território para dar respostas à sociedade no que tange ao determinado pela Constituição Federal de 1988 em seu art. 3º. A eqüidade se encontra nesta junção de forças do território e da educação. Mas o que vem a ser eqüidade?

A eqüidade possibilitará com que a relação entre educação e desenvolvimento se fortaleça. Daí a preocupação com a sintonia das políticas públicas determinadas pelo Estado que busca o desenvolvimento econômico e social do país. Neste sentido, o PDE assume uma posição avançada em relação ao Plano Nacional de Educação (PNE), pois oferece ações para melhorar a qualidade de educação. Temos aqui outra questão de análise pertinente que trata do problema ou da vertigem neoliberal que se preocupa com a qualidade da educação. Mas o que existe por detrás do discurso da qualidade da educação?

Enquanto plano executivo de aplicação dos programas educacionais, o PDE não se encontra caracterizado pela matriz da neutralidade segundo Fernando Haddad. E o próprio Ministro nos explica que "o PDE está ancorado em uma concepção substantiva de educação que perpassa todos os níveis e modalidades educacionais e, de outro, em fundamentos e princípios historicamente saturados, voltados para a consecução dos objetivos republicanos presentes na Constituição, sobretudo no que concerne ao que designaremos por visão sistêmica da educação e à sua relação com a ordenação territorial e o desenvolvimento econômico e social" (Haddad, 2007: p. 07).

Nesta primeira reflexão acerca do PDE quais são nossos problemas? Apresentamos cinco questões de análise, a saber: O PDE como PAC da educação; a concepção de mundo contida nas palavras do Ministro da Educação; a questão da individuação; O PDE como continuidade; e o que se encontra vendado com o discurso da eqüidade e qualidade da educação.

Por que se associa PDE como sendo o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) da educação? Realmente é uma questão que nos intriga. Mas, na verdade, trata-se de uma associação entre economia e educação. Sem dúvida, com tal proposição, o PDE estaria a serviço dos interesses do PAC econômico, ou seja, uma educação como fortalecimento do crescimento econômico. Evidentemente que os defensores do PDE e do PAC jamais reconhecerão tal associação que pressupõe um retorno à teoria do capital humano defendida pelo economista Theodore Schultz que percebe a educação como valor econômico. Esta educação necessita de investimentos por parte dos indivíduos (talvez daí a preocupação pela individuação) e, com isso, haverá um retorno ao investidor o que permite uma contribuição com o crescimento econômico. É a idéia tão proliferada no pensamento social brasileiro de que quanto mais instrução maior oportunidade de ser inserido no disputado "mercado de trabalho". Essa lógica da teoria do capital humano foi fundamental para as realizações das reformas educacionais de 1968 e 1971 e no nosso entendimento se trata da mesma posição contida no PDE com ajustes modernizantes que impedem com que vejamos tais semelhanças no primeiro momento. A teoria do capital humano é clara: investir para consumir. Entendemos que o propósito do PDE tende a cair na mesma falácia do regime militar. A preocupação da educação para promover o crescimento econômico dos empresários do capital que se preocupam em obter novos consumidores para o mercado.

Para Fernando Haddad, a educação é uma face do processo dialético que possibilita indivíduos críticos e criativos no mundo. Mas qual é a concepção de mundo que permeia o universo simbólico e representativo nesta visão? Qual é o mundo hegemônico no qual vivemos? O mundo da concorrência, do individualismo e do mercado total. Esta é a lógica do capital. Uma educação que possibilite indivíduos críticos e criativos diante desse mundo, mas que pela individuação e pela socialização possam vir a se adaptar e se inserir nesta mesma lógica de mundo. Parece que há um tom de fim da história neste discurso bem preparado. Primeiro, afirma-se uma educação crítica e criativa que enfrente as mazelas provocadas pelo mundo, para depois, no segundo momento, assumir a verdadeira intencionalidade onde a individuação e socialização do indivíduo possibilitarão a adaptação ao mercado. Preferimos ver a adaptação como processo de domesticação ao mercado e ao capital. Percebemos que existe uma correlação entre as categorias que se unem por meio de processos bem definidos.

Adaptar-se para ser um novo consumidor do mercado e provocar circulação do capital que há de ser monopolizado nas mãos de poucos. Com isso, sem dúvida, o PDE se torna uma forma de continuidade dos ideais liberais e historicamente estabelecidos por meio da harmonia social que não vê a educação como conflito entre as classes sociais. Não reconhecer o conflito significa adaptar-se ao discurso da ordem social harmônica e desejável pelas classes dominantes, pois em nada altera o mundo estabelecido como algo dado, mundo entre senhores (donos do capital) e escravos (consumidores que enriquecem os donos do capital).

Por fim, tais proposições estão fortalecidas pelo discurso da qualidade e da eqüidade da educação. A qualidade é uma palavra que se tornou um modismo no vocabulário educacional brasileiro nos últimos tempos. Todos aceitam a qualidade, pois há uma espécie de fluxo-conversão em torno da qualidade. No entanto, qualidade é um termo usado por especialistas das administrações educacionais e pelos organismos internacionais. Segundo Mariano Fernández Enguita, professor da Universidade de Salamanca – Espanha, a principal proposta que rege o termo qualidade é o de "conseguir o máximo resultado com o mínimo custo". Trata-se da mesma lógica de competição do mercado que permeia as relações do empresariado da iniciativa privada. Neste discurso, as escolas se tornam empresas que formarão os novos consumidores do mercado como afirma Mariano Fernández Enguita:

"(…) os alunos deviam ser modelados pela escola de acordo com os desejos das empresas, da mesma forma que as fábricas metalúrgicas produziam os lingotes seguindo as especificações fornecidas pelas companhias ferroviárias. (…) O que a expressão – qualidade – conota é que algo distingue um bem ou serviço dos demais que o mercado oferece para satisfazer as mesmas ou análogas necessidades. (ENGUITA, Mariano Fernández. O discurso da qualidade e a qualidade do discurso. 1995: p. 99; 107).

Mas eqüidade? O que seria? A eqüidade é a lógica instrumental da competição e de uma concepção de homem "economicus". Na eqüidade, o indivíduo é um ser essencialmente econômico que necessita produzir para consumir. Segundo Pablo Gentili, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e coordenador do Laboratório de Políticas Educacionais da UERJ, "a escola deve ter por função a transmissão de certas competências e habilidades para que as pessoas atuem competitivamente num mercado de trabalho altamente seletivo e cada vez mais restrito" (GENTILI, Pablo. Escola S.A.: Quem ganha e quem perde no mercado educacional do neoliberalismo. 1996: p. 32).

Dessa forma, temos um quadro para início de conversa nada satisfatório sobre o PDE. Realmente parece se tratar de novas roupagens de reformismo educacional do que transformação da educação brasi
leira. O discurso parece se pautar nas mesmas lógicas de interesses do mercado e dos empresários do capital que serão os únicos a se beneficiar com tais propostas. Vejamos o que nos aguarda nas próximas reflexões.

Claudemiro Godoy do Nascimento
Filósofo e Teólogo. Mestre em Educação pela Unicamp. Doutorando em Educação pela UnB.
E-mail: [email protected]

* Filósofo e Teólogo. Mestre em Educação pela Unicamp. Doutorando em Educação pela UnB

Adital

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