Jovem democracia

Pergunto aos jovens participantes – mais de uma dezena com menos de 20 anos do total de 50 – do VI Encontro estadual da Rede TALHER de Educação Cidadã do Acre, em Plácido de Castro, fronteira com a Bolívia, se sabem quantos presidentes brasileiros eleitos diretamente terminaram seu mandato, quando as mulheres brasileiras tiveram direito ao voto, quando analfabetos e jovens de 16 anos começaram a votar no Brasil.

Não sabem, alguns arriscam respostas. O que mostra duas coisas: as escolas pouco ensinam ou não dão informações sobre fatos fundamentais da história brasileira; e o quanto a juventude pouco sabe sobre a jovem democracia brasileira e latino-americana.

Pela primeira vez, partidos políticos brasileiros estão próximos de completar três décadas de existência. As mulheres começaram a votar apenas em 1934. Até então votavam os homens alfabetizados e proprietários, ou seja, uma parcela ínfima da população. Apenas 4 presidentes eleitos diretamente, contando-se Lula, terminaram seu mandato desde a República Velha. Os outros, ou eram ditadores, ou se suicidaram, ou renunciaram, ou foram ‘impichados’.

Honduras conheceu a civilização maia. Foi ‘descoberta’ em 1502 por Cristóvão Colombo. É um dos países mais pobres da América Latina. Tem uma população de 7 milhões de habitantes. Vive da exportação de café, camarão e banana. Já serviu muitas vezes de base  para as operações ideológicas dos Estados Unidos. Abrigou, por exemplo, os ‘contras’ que combateram, com apoio dos EUA, o regime sandinista da Nicarágua.

Em Honduras, o presidente legitimamente eleito, Manuel Zelaya, foi detido e levado por militares para uma base aérea e levado a força para a Costa Rica antes da realização de um plebiscito, uma consulta popular para abrir caminho para uma futura Assembléia Constituinte, declarado ilegal pelo Parlamento e pela Suprema Corte hondurenhos. Mais um golpe de Estado na conturbada história política da América Latina e do Caribe.

Pensava-se que esta época de golpes militares, ditaduras civis e militares, quebra do processo democrático tinha acabado definitivamente. Infelizmente, descobre-se agora que não. Mais uma vez, alguém, julgando-se dono do poder, tira o presidente do cargo ‘manu militari’, contra tudo e contra todos.

Há, porém, uma feliz novidade. Houve uma condenação internacional geral do golpe, a começar pela ONU e OEA. E, segundo o jornalista Mauro Santayana (JB, 01.07.09, A2), pela primeira vez, desde que foi proclamada a Doutrina Monroe, em 1823, um presidente norte-americano condena golpe militar na América Latina. O presidente Obama condenou o golpe e disse que Zelaya continua o presidente de Honduras. No governo de Francklin Roosevelt, considerado de esquerda pelos conservadores, os Estados Unidos financiaram e apoiaram, com soldados e armas, golpes militares em vários países. Uma das piores tiranias da América Central, a da Nicarágua de Somoza, foi concebida em Washington, com o assassinato de Augusto Cesar Sandino em 1934. O apoio continuou até 1979, quando Tachito Somoza, filho do primeiro, foi derrubado pela Frente Sandinista.

Nenhum governo norte-americano, fosse qual fosse o presidente, deixou de prestigiar a direita, do México ao Chile, em nome da ‘boa ordem’. Foi assim nas últimas décadas do século XX no Chile, na Argentina, na Venezuela,na Colômbia, no Peru, no Equador, em El Salvador, a Guatemala, na República Dominicana, em Cuba, no Uruguai e também no Brasil. “Agora um presidente norte-americano exige que se respeite a vontade popular em país ibero-americano e sua posição é seguida no mundo”.

A jovem democracia latino-americana (e brasileira) está mais uma vez em jogo e em risco. É ainda uma planta tenra, dando seus primeiros passos sem tutela. No Brasil, ainda se está aprendendo a votar. As Diretas-Já foram em 1984, há 25 anos, sendo a primeira eleição direta pós-ditadura em 1989, há 20 anos.  A participação popular no processo político é relativamente frágil, ainda que a sociedade civil, através de movimentos sociais, igrejas, partidos políticos, Conselhos, ONGs, etc., tenha se fortalecido nas últimas décadas. Mas toda vez que se fala em reformas estruturais, como a reforma agrária, a tributária, a política, a do Estado, entre outras, há reação forte e oposição de setores conservadores da sociedade, muitos dos quais, à vista das mesmas reformas, apoiaram o golpe militar de 1964. E são reformas necessárias, que a maioria dos países, mesmo os latino-americanos, já fizeram faz tempo.
Nenhum descuido, portanto, é permitido. É preciso consolidar os canais democráticos e de participação popular. Crianças e jovens precisam conhecer a história brasileira e latino-americana. O protagonismo popular precisa ser incentivado. Experiências de organização de base, de educação popular, que existem e são construídas em todo Brasil e América Latina devem ser espraiadas. Só assim deixarão de acontecer golpes, derrubada de presidentes eleitos legitimamente e ameaças à  vida democrática.
Justiça social, distribuição de renda, igualdade só prosperarão com democracia e soberania popular.

Selvino Heck
Assessor Especial do Gabinete Pessoal do Presidente da República

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